APRESENTAÇÃO


O conjunto de trabalhos que o amigo leitor encontrará aqui foi produzido ao longo de alguns anos. Não posso aqui precisar quantos, talvez uns vinte. A grande maioria deles publicada no jornal A TRIBUNA SANJOANENSE de SÃO JOÃO DEL REI (minha terra nanal) e NOVA MIDIA de BARBACENA; ambas tradicionais cidades históricas mineiras muito politizadas.

Obviamente há uma cronologia de publicação associada aos acontecimentos que inspiraram as respectivas reflexões. Depois de muito pensar, se deveria mencionar datas, resolvi aboli-las, pois achei que correria o risco de tornar seu passeio um tanto dirigido e até cansativo. Posso imaginar alguém lendo algo retratando fato acontecido há anos! Talvez se sinta entediado. Então, no intuito de instigá-lo, apresento uma miscelânea de trabalhos recentes e antigos, a fim de lhe subtrair, de propósito, qualquer direcionamento e deixá-lo livre para pensar, buscando no tempo, por si, tal associação. Acredito ainda que dessa forma esteja incitando sua curiosidade à medida que avance passos adentro. Sua leitura poderá inclusive ter início pelo fim ou pelo meio, que não haverá prejuízo algum para a percepção de que as coisas no Brasil nunca mudam. Ficará fácil constatar que a vontade política é trabalhada para a perpetuação da incompetência administrativa, obviamente frutífera para algumas minorias.

Penso que, se me dispus a estas publicações, deva estar antes de tudo, suscetível a criticas e, portanto, nada melhor que deixá-lo, valendo-se unicamente das informações contidas no texto, localizar-se na história. Caso não lhe seja possível, temo que o trabalho perca qualidade perante seu julgamento pessoal. Por conseguinte, acredito que isso não acontecerá; a não ser que o leitor não tenha, em tempo, tomado conhecimento dos fatos aqui retratados. Procurei selecionar de tudo um pouco; certamente sempre críticas, porém algumas muito sérias carregadas de um claro amargor. Outras, mais suaves, pândegas e até envoltas num humor sarcástico. Noutras retrato problemas da minha São João del-Rei. Até cartas para congressistas em Brasília há. E em alguns pontos, para abusar da sua paciência, introduzi coisas muito particulares. Críticas à parte, nessas, apenas falo de mim, afinal, apesar de amigos, talvez nunca tenhamos trocado impressões sobre coisas tão pessoais. . .

Aqueles que me conhecem há tempos, sabem que sou um obstinado por política, apesar de jamais tê-la exercido diretamente. Motivos houve de sobra e numa oportunidade poderei explaná-los. Todavia, do fundo do coração, afirmo que tal paixão tem como motor um doloroso inconformismo por ver o Brasil tão esplêndido e tão vilipendiado; vítima inconteste dessa cultura avassaladora de demasiada tolerância à antiética e à imoralidade na administração pública. Comprovadamente este é o pior dos tsunames com potencial para ter retardado nosso progresso mais de três séculos e grande responsável pela perpetuação da pobreza de metade da nossa população, pelo analfabetismo total e funcional, pela violência social e pelo abismo intransponível que aliena gigantesco contingente, maior que um quinto da população do continente sul americano. Diante do inaceitável absurdo, impossível me conformar em silencio diante dos atos e fatos que vão vergonhosamente enxovalhando nossa história e nos deixando como um gigante deitado sobre o escravismo que a Lei Áurea não foi capaz de abolir.

O título? Esse, talvez, seja o mais difícil explicar. GRITOS SEM ECOS representa uma espécie de pedido de socorro do náufrago, que sabe que de nada adiantará espernear, pois não há interlocutores, não há socorro, não há saída, não há conscientização; mas, assim mesmo, grita.

Será um prazer receber sua visita e ler suas opiniões, elogios ou críticas.

Forte abraço!



quinta-feira, 7 de abril de 2011

AMÉRICA LATINA, SEUS MODISMOS POLÍTICOS E O COMUNISMO MAMBEMBE.



           
            A América Latina pelo jeito continuará a ser o continente dos modismos políticos para sempre. Na época da guerra fria, quando as duas superpotências disputavam palmo a palmo sua égide de influência e a internacional comunista, mantida e inspirada pela extinta União Soviética, procurava infiltrar seus camaradas subversivos por todas as brechas; os Estados Unidos contra atacaram patrocinando golpes de estado e todos os países do continente se transformaram em ferrenhas ditaduras  militares. Generais caudilhos cassaram direitos políticos, fecharam parlamentos, impediram a livre expressão e o poder judiciário civil ficou encerrado às paredes dos seus fóruns.
            Esse foi o caminho político adotado pela contra inteligência americana para blindar a região contra o risco da sua comunização total. Certamente o comunismo soviético acenava com sua falsa dose de doçura, a fim de atrair os incautos, para depois mandar fuzilar quem era contra ou a favor e se impor de maneira totalitária nos moldes do castrismo cubano.
            Diante da sua falta de personalidade política, o continente, por trinta anos, esteve à mercê do vendaval da guerra fria e o resultado final registrado pela história foi massacre físico e ideológico em todos os países, sofrimento pelo aprofundamento da pobreza e da desigualdade social devido à eterna instabilidade econômica e política, ao apadrinhamento político, ao cerceamento da imprensa e ainda pelo acirramento do ultranacionalismo responsável por décadas de reserva de mercado e seu conseqüente atraso  tecnológico.
            Entretanto esse modismo estava fadado ao obsoletismo diante da determinação de uma mente sã no império soviético governada pela clarividência cívica de Michael Gorbatchov, o grande presidente que amordaçou a bocarra do expansionismo soviético, colocando ao chão o Muro de Berlim, perene ícone da insanidade daquele regime. Em meados da década de oitenta, ares de liberdade pairaram sobre o continente e o que se viu foi abertura política generalizada, novas constituições menos centralizantes, regresso dos exilados e os generais deram lugar aos enxovalhados mecenas e suas idéias arcaicas e mentirosas de igualitarismo de palanque. Eram os neoliberais travestidos de sociais democratas, provindos de Harvard e de outras academias de menor fama, porém todos ávidos pelo poder entreguista e pela introdução de suas teorias tecnocratas de abertura de mercado sem a devida e salutar reciprocidade. Ou seja, mercados pobres submetidos à livre concorrência com os ricos.  Embarcados nas asas da globalização de problemas, uma vez que soluções nunca se globalizaram, os neoliberais mantiveram-se surdos às lamúrias dos milhares de desempregados sobrevindos das privatizações e da falta de recursos para a auto-reciclagem pessoal e ainda sem tempo para realizá-la. Foram pegos de surpresa e abandonados à própria sorte sem nenhum apoio governamental. O resultado final, também registrado pela história, foi o mergulho do continente em mais de uma década de recessão, que com liberdade e tudo, foi capaz de se igualar, em termos de baixos níveis de qualidade de vida e pobreza, a muitos países africanos secularmente amordaçados e esquecidos pelos eternos donos do mundo, que lá também sempre meteram o bedelho e que todos sabem muito bem quem são e onde  vivem.
            Agora, em prosseguimento a sua sina de mero pátio de modismos políticos, vivencia-se a onda do populismo com ares de comunismo mambembe. Novamente a América Latina tende a mergulhar nas sombras de um regime que nunca deu certo em lugar nenhum e por isso mesmo comprovadamente falido. De nada adiantarão fanfarronadas à moda Maoísta na esperança de que as classes pobres sejam capazes de sozinhas conquistarem espaço a reboque de assistencialismo puro e eleitoreiro, sem investimento maciço em educação e noutras infra-estruturas capazes de resgatar a dignidade cidadã e suficientes para dotar o homem  da capacidade de pensar, de julgar e conquistar espaço no mundo tecnológico e por si decidir seu destino. A idéia de que um só homem revestido de máximo poder possa assumir paternalmente o direcionamento da vida das pessoas ou de uma nação inteira é comprovadamente falha, errônea e utópica.
            É uma idiotice vislumbrar uma ruptura total com o capitalismo. Nem a China e a Rússia com seus gigantismos foram capazes de se arrancar do abismo em que se meteram, graças ao seu comunismo mortífero e moribundo, sem se abrirem ao modus vivendi capitalista entranhado não só na cultura universal contemporânea como também na genética humana, mesmo daqueles que nunca o vivenciaram, mas que pelo menos ouviram falar. Hoje as pessoas já nascem sonhando em possuir e consumir cada vez mais e melhor.
            Tolice ainda maior é governantes fantoches do surreal Fidel Castro quererem agigantar o estado, reconhecidamente mau gestor, com confiscos e estatizações maciças e manietar as elites de forma sistêmica e ditatorial simplesmente lhes imputando a culpa por todos os males que secularmente impedem o desenvolvimento social da maioria. Numa das suas mais célebres frases o estadista americano Abraham Lincoln, certamente se dirigindo a um desses justiceiros comunistas, escreveu: “Não fortaleceras os fracos por enfraqueceres os fortes”.  
            O que deveriam fazer é sanear o Estado Podre e plantar bases para o soerguimento de uma espécie de capitalismo sinérgico baseado em cinco fundamentos: incentivo ao empreendorismo, democracia plena, probidade administrativa, abertura gradual e equilibrada do mercado interno e comunização do acesso à educação de alta qualidade para todos. Assim estariam abrindo caminho para a sustentabilidade do desenvolvimento, alavancariam a demanda por mão de obra, acabariam com a miséria crônica e de quebra arrefeceriam o ressentimento e a desconfiança entre as classes sociais.



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ATÉ 2017



            O governo brasileiro negociou com os usineiros paulistas o fim das queimadas para daqui a nove anos. Notícia fresca nos jornais da semana da Pátria de 2008.
            Quem passa pelas regiões canavieiras em época de colheita fica assustado com tamanhos incêndios e fumaça capaz de anuviar o horizonte por muitos quilômetros. As imagens tão agressivas dão ao ambiente a morbidez macabra semelhante àqueles filmes cujo tema retrata o armagedom. O crepitar das fogueiras gigantes e o bruxulear de paisagens distastes distorcidas pelo alto aquecimento do ar incitam a imaginação do passante que logo se sente condoído e seu subconsciente alarmado o induz a clamar por socorro pela natureza que se esvai. Tudo em vão, pois diante do avanço impiedoso do fogo bem alimentado e da gana dos homens inconseqüentes que se utilizam da técnica arcaica para colher a cana com custos menores, quem perde é mesmo a natureza, o Brasil com o aumento da sua participação na poluição do planeta e a sociedade governada por populistas irresponsáveis, apenas sensíveis às pressões de capitalistas mercenários.
            Lá nas cidades a calamidade se reflete em dezenas de moléstias do aparelho respiratório, na superlotação de hospitais e emergências clínicas, na indisponibilização dos profissionais de saúde pelo aumento excessivo da demanda por pronto-socorro e pela aceleração dos gastos governamentais com um tipo de assistência médica corretiva, sem nenhum reflexo positivo nos índices de qualidade de vida da população, conquanto não esteja plantando nada para o futuro.
            Nada disso importa desde que os interesses daqueles que prestam inestimáveis serviços ao país, geram milhares de empregos de terceira classe, pagam salários miseráveis, não respeitam normas básicas de segurança no trabalho e arrasam a saúde dos trabalhadores conhecidos como “bóias frias”; estejam salvaguardados e que, em troca, não importunem os populistas demagogos com aumentos de preços do açúcar e, principalmente do álcool combustível.
            Contudo, esta é apenas a parte visível do problema. Enquanto o governo, por um lado, se furta a exigir dos usineiros o cumprimento imediato de leis já estabelecidas em tratados internacionais de preservação ambiental, dos quais o Brasil é signatário, e faz vista grossa para o descumprimento de leis trabalhistas básicas e fundamentais, por outra via, exige das empresas de outros setores seu cumprimento com rigor extremo. As normas que regulamentam as relações trabalhistas e atividades de produção hoje no Brasil estão extremamente rígidas e qualquer ato que atente contra a integridade do trabalhador ou coloque em risco o ecossistema é rigorosamente punido com pesadas multas e outras admoestações que podem incluir até o cerceamento da atividade e a prisão dos infratores. Pequenos proprietários rurais são obrigados à preservação de matas ciliares e à reserva de determinada porcentagem da propriedade para replantio de espécimes nativos. Até as reservas aqüíferas estão sendo catalogadas como também sua vazão e há planos para que se cobre pelo seu uso; mesmo do proprietário da terra onde ela verte. Empresas de todos os setores são obrigadas à co-responsabilidade pela preservação ambiental e obviamente têm que reverter investimentos importantes, muitas vezes obtidos por financiamentos caros, em atendimento à lei.
            Não estamos aqui colocando em xeque os méritos da questão, que obviamente estão corretos e são imprescindíveis diante de um ecossistema em estado quase falimentar, cuja dinâmica de destruição estará velozmente se acelerando, caso não sejam tomadas providências de impacto na reversão do processo. Todavia, o que questionamos é a excessiva permissividade do governo para com um determinado setor altamente rentável e próspero ao conceder, por acórdão, prazo extremamente extenso para substituição de manejos abusivos e condenáveis há décadas no mundo civilizado e, principalmente, quando se sabe que seremos vítimas de sérias conseqüências se continuarmos impingindo à natureza agressões que podem ser perfeitamente evitadas através de simples atos imparciais e responsáveis para com o bem-estar de tudo e de todos.
            O populismo é extremamente perigoso por isso: joga a sujeira para debaixo do tapete, empurra decisões inadiáveis indefinidamente, introduz o assistencialismo como ferramenta para cativar incautos, é justo com muitos e leniente com os amigos, faz propaganda enganosa dando cores a fatos grotescos simplesmente com o único propósito de plantar votos e usa do imediatismo como maneira de acender esperanças e semear falsa  felicidade. São os cabresteiros. E o pior: sua arma mais cruel é a perpetuação da ignorância, pois do contrário quebrariam o círculo virtuoso da dominação. Como bons ladrões, tiram dez de quem tem, ficam com oito e dois, dão para quem não tem. Alardeiam que deram tudo. Finalmente, não erradicam a miséria, mas acirram o ódio entre as classes sociais.



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O PRÉ-SAL E OS FANFARRONEIROS



                        “Dentro em breve, a se confirmarem as perspectivas, seremos um dos maiores produtores de petróleo do planeta e os problemas sociais no Brasil estarão com seus dias contados”.
            Nesse tom de festim nossos governantes sempre trataram coisas tão sérias. Há anos foi assim com a rodovia Transamazônica, mais tarde com o ouro de Serra Pelada e com as reservas minerais de Carajás. Depois foi a vez da Ferrovia do Aço e do projeto SIVAM – aquele sistema de vigilância da Amazônia, o qual nunca vigiou nada – e mais recentemente com a façanha banal, inócua e cara do astronauta brasileiro. Chegaram até a compará-lo ao incomparável Santos Dumont. Em sua época esses fatos históricos foram, como agora, dourados com muita fanfarronice, demandaram muitos gastos desordenados, renderam milhares de votos e hoje o que se vê é apenas frustração. Obviamente me refiro à ótica da melhoria da qualidade de vida do povo, que sempre paga e nunca leva. A Transamazônica, um projeto que serviria como linha de integração nacional pela fixação de populações as suas margens e ainda, importante escoadouro de riquezas para os países andinos, custou bilhões de dólares para ser engolida pelo mato e hoje, o que resta são trechos praticamente intransitáveis e populações miseráveis abandonadas à própria sorte. Serra Pelada tinha pepitas que demandavam caminhões para transportá-las de tão imensas, parou no tempo e reduziu-se a um buraco cheio d’água e a uma cidade povoada de sonhadores, conhecida como Curionópolis. Carajás, segundo propagandistas do governo, teria minério de ferro para abastecer o mundo, sozinha, por dois séculos e um projeto que incluía a construção de importantes ramais ferroviários ligando o norte ao sul e ainda a construção de grandes portos nas regiões norte e nordeste, tudo como logística para o escoamento da gigantesca produção. Hoje a realidade está muito aquém do inicialmente propagado. A Ferrovia do Aço, que açambarcou dos cofres públicos dez bilhões de dólares para a construção de dois ramais ferroviários, um de carga e outro para passageiros, os quais deveriam interligar Belo Horizonte e seu quadrilátero ferrífero a São Paulo e à Cia Siderúrgica Nacional no  Estado do Rio de Janeiro, está reduzida a menos da metade do projeto original, pois foi toda construída para ramais paralelos, contudo só funciona um e pela metade. Importante salientar que o projeto previa trens elétricos os quais cederam lugar aos movidos a diesel, mais lentos, poluidores e obsoletos. O Projeto Sivam ficou caracterizado como outro grande fiasco que custou ao povo a bagatela de dois bilhões de dólares, a fim de erradicar a destruição do nosso patrimônio natural, fiscalizar as fronteiras, até então desguarnecidas, e, de quebra, botar um freio no trânsito de aviões suspeitos. Este também  está envolvido num mar de silêncio que quem viu tem a impressão de ter sonhado. E mais recentemente nosso projeto espacial que abriria fronteiras inimagináveis para a ciência nacional custou aos cofres públicos dez milhões e dólares para nada, pois as experiências do nosso astronauta não tiveram a consistência divulgada e esperada.
            Infelizmente aqui na pátria de Deus tudo no final termina em eleição, carnaval e futebol. Ao longo de mais ou menos trinta anos os governantes brasileiros se locupletaram da boa fé do povão com essas histórias megalomaníacas e fantasiosas. Será que dessa vez a coisa vai funcionar ou estão nos aplicando mais um golpe de marketing político? Pode ser que não, pois há muita gente estrangeira envolvida. Contudo, quem conhece aquele velho ditado popular: “gato escaldado em água quente tem medo da fria” deve estar cético. Afinal não é difícil perceber que estão manipulando emoções de maneira a manter o rol de esperanças sempre atualizado, porque sabem muito bem que a esperança é uma forma de felicidade.
            O presidente Lula, quando no congresso, proferiu a sua mais célebre frase, que quase lhe custou a cassação, por falta de decoro parlamentar. “Aqui no congresso tem mais de trezentos picaretas”. A verdade doeu como um tapa na cara dos picaretas de plantão. E hoje, será que ele já parou para calcular quantos picaretas tem no seu governo? Contando com ele, é claro. Certamente eles saberão explicar o “por-quê” do continuísmo da política suja e irresponsável que prefeitos continuam praticando naqueles municípios há muito regados com a dinheirama dos royalties do petróleo. Inacreditável, mas ainda abrigam ruas sem pavimentação, lixo descartado pelos arrabaldes, mato pelas ruas, efluentes poluídos pelo esgoto doméstico e industrial e até favelas apreciam-se na paisagem daquelas cidades. - Quem duvida que assista reportagem exibida pelo canal Globo News de dois de setembro-2008, jornal da dez. -
            Ora! Dirão os picaretas. “Não temos nada com isso. Perguntem aos prefeitos”.
 Claro que não têm. O que sugerimos é que simplesmente não repassem mentiras. Que parem de nos ver como idiotas, pois já vimos esse filme e sabemos que, se, daqui a cinco anos, todo o otimismo se transformar em bilhões de reais, nós, o povo, seremos os últimos a usufruir de benefícios. Continuaremos a pagar um dos preços mais caros do mundo por combustível de baixa qualidade misturado com água. Continuaremos a ver nossos jovens em escolas de péssima qualidade e desempregados, idosos morrendo nas filas dos hospitais, estradas intransitáveis, professores ganhando salários aviltantes e nossos atletas regressando das competições internacionais cabisbaixos pelo abandono consciente e proposital do governo rico.



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O BRASIL AMARELOU NAS OLIMPIADAS



            Mais uma vez assistimos aos jogos olímpicos. Os últimos do século mereceram da anfitriã Austrália vultosos investimentos, acomodações seguras e confortáveis para um imenso contingente de atletas, juizes, fiscais, comissários, seguranças, policiais e tantos outros, que, trabalhando em conjunto, proporcionaram ao mundo um grandioso espetáculo de confraternização.
            Homens de todas as partes do mundo puderam deleitar-se com imagens singulares de afeto, respeito e aceitação mútua. Acenos, sorrisos, evoluções sincronizadas, fogos multicoloridos, exibições folclóricas, porta bandeiras orgulhosos exibindo flâmulas altivas e soberanas; como se num instante o mundo da fantasia se materializasse numa realidade palpável e perene, que pudesse aparar arestas, amainar sentimentos, afagar corações e fazer com que os homens em uníssono aclamassem os anjos da paz e abominassem os espíritos malignos da guerra em perpétua unanimidade.
            Estão de parabéns os australianos pela exuberância do seu jovem país, que como poucos souberam construir, em tempo recorde, uma das sociedades mais prósperas do planeta.
            Iniciaram-se, então, os jogos. Corações apreensivos, corpos suados, uma explosão de sentimentos duramente contidos por quatro longos anos de preparação se materializando em gritos, caretas, sorrisos, choro, olhares fixos, expressões de regozijo e tristeza pelas vitórias ou derrotas que começam a se contabilizar. Eliminados se vão com o sentimento do dever cumprido e com a certeza de que fizeram o melhor. Classificados permanecem para mais uma etapa. A pressão aumenta. As apreensões e incertezas enchem os corpos de adrenalina tornando a competição cada vez mais acirrada, mais bela, mais técnica. Torcidas uniformizadas vibram a cada ponto, e sets, e goals, e rounds. Através do mundo outros tantos milhões de telespectadores varam madrugadas e manhãs e tardes; ávidos por vitórias. Sentem-se honrados ao verem seus pavilhões no ponto mais alto do estandarte. Comprazem-se com a felicidade de seus atletas, quase super-homens, ostentando medalhas em peitos ofegantes de emoção.
            Nesses momentos especiais de magia e orgulhos exaltados novamente os homens despem-se da fantasia e caem na realidade política da extrema competição existente nas relações internacionais. Superpotências econômicas se revezam no alto do podium. Lá embaixo o resto. É o terceiro mundo do esporte no seu devido e merecido lugar. Com raríssimas exceções, países pobres alçam-se ao ouro olímpico. Seria mera coincidência ou há fatores determinantes para o fenômeno? Eis a questão!...
            Todavia, coincidências são subjetividades e neste campo apenas o concreto é pertinente. Casualidades e imprevistos que levam à derrota os notoriamente favoritos têm peso relativo nos resultados finais.
            Há muito os povos desenvolvidos descobriram que investimentos maciços em educação física são altamente benéficos à apuração psicobiofísica do povo. A idéia da “men sana in corpore sano” é pura verdade e deve ser encarada como valioso patrimônio nacional. Atividades desportivas reduzem a incidência de doenças cardiovasculares, degenerativas e psíquicas, além de afastar os indivíduos do consumo de drogas psicotrópicas e psicoativas, dentre elas o fumo e o álcool; com conseqüente redução de gastos previdenciários, aumento da longevidade e melhora da qualidade de vida.
            Governantes do terceiro mundo, apesar de terem plena consciência dessas verdades, ainda optam pela demagogia e pelo descaso, quando o assunto é educação e principalmente a desportiva. No Brasil não poderia ser diferente. As administrações públicas se sucedem todas unânimes em negligenciar no setor educacional. Escolas mal aparelhadas não oferecem aos jovens condições satisfatórias para a praticagem desportiva. Não há praças de esportes públicas completas e bem aparelhadas. Aulas de educação física ministradas por pessoal despreparado, em horários inadequados obrigando alunos esbaforidos, suados e mal cheirosos a retornar às salas de aula sem nem mesmo tomar banho, por indisponibilidade de instalações próprias e adequadas, que dêem vazão ao grande fluxo de atletas em curto espaço de tempo.
            Dessa população estudantil, uma imensa porcentagem é oriunda de gestações pobres em conteúdo protéico e vitamínico, considerando-se ainda genitoras provenientes de mães que foram submetidas a deficiências gestacionais da mesma ordem. O resultado perverso desse desequilíbrio é a origem de uma seqüência infindável de gerações que carregam as seqüelas das deficiências alimentares quase como uma herança genética. O elemento negro, por exemplo, uma das principais vertentes de formação da etnia brasileira, vive nesse círculo vicioso miserável e degradado desde que aqui aportaram seus ancestrais, há mais ou menos vinte gerações.
            Desse substrato social débil e promíscuo emergem os atletas brasileiros, que aí permaneceram até a juventude até que, por sorte ou outro fator qualquer, o esporte surja como uma opção barata, rápida e impar para quem sonha com melhores dias e um futuro mais promissor e menos atribulado.
            Intrigante, no entanto, é que na outra ponta temos atletas economicamente bem situados, que desfrutam de melhores condições sócio-econômicas e que, ainda assim, não conseguem resultados satisfatórios nas grandes competições.  Qual seria o motivo? Em outras situações atletas que ostentam dezenas de vitórias e até recordes e que na “hora H” são acometidos por pesados reveses emocionais. Vez por outra choram copiosamente diante dessa realidade e se dizem perplexos com a brutal queda de seus rendimentos, exatamente quando maiores são as exigências e responsabilidades. É comum ouvirmos declarações tais como: - “meus braços travaram e minhas pernas amoleceram. Parece que temos medo de ganhar, medo da vitória”. Atletas do futebol, nosso esporte mais popular, que gozam dos maiores investimentos em infra-estrutura, vez por outra adernam no mar de emoções descontroladas; o que vem implicando analistas esportivos e psicanalistas. No volleyball da mesma forma, subvencionado por vultosos investimentos provenientes de poderosos patrocinadores, que descobriram assim excelente maneira de projetar suas marcas através das massas, também o fenômeno teimosamente ocorre. Seriamos um povo desestruturado emocionalmente?
            Infelizmente temos que reconhecer respondendo positivamente a esta intrigante questão mesmo porque nossos pífios resultados configuram-se na melhor e mais contundente resposta, pois vitória e sucesso, apesar de parecerem casualidades não o são. Pelo contrário, são conquistados como qualquer outra realização humana. São objetivos pré-determinados e arduamente perseguidos. Constituem-se no somatório de caros e permanentes investimentos na melhoria da qualidade de vida de uma nação. Dependem da mudança da mentalidade canhestra de governantes que querem ser reconhecidos como estadistas, muito mais pela demagogia do que pelo convencimento de que a nacionalidade se constrói pelo aperfeiçoamento da sua alma que é seu povo.
            De nada adiantam matas verdejantes, natureza dadivosa, riquezas minerais, unidade lingüística, terras intermináveis, enquanto o elemento animado, propulsor disso tudo; o ser humano estiver enfermo e moribundo vitima desses mandatários magnatas do poder e parasitas da “pátria amada e do povo heróico”.
            Aqueles que não conquistaram o ouro olímpico trouxeram consigo o ouro da dignidade por terem se defrontado com as máquinas humanas super preparadas do primeiro mundo. Seus segundos e terceiros lugares são quase o impossível e certamente sejam os tais azarões do esporte. Enfim, são heróis muito dignos porque defenderam as suas custas, as cores auriverde da pátria obstaculizadora e injusta que jamais velou responsavelmente pelo bem estar social. Que, muitas vezes, nem sequer, assegura um registro de nascimento aos seus filhos. Eles são magnânimos e admiráveis ao oferecerem suas vitórias à pátria, enquanto foram heróis de si mesmos arrebatadores solitários da miséria e da odiosa segregação econômica e racial que os inferioriza em relação àqueles superadversários do primeiro mundo.
            Quanto ao “medo de ganhar”, um dos responsáveis pelo nosso desequilíbrio emocional, somente nos libertaremos desse mal, quando deixarmos de ser um povo perdedor e oprimido pelas adversidades da vida nacional. Simplesmente somos  desabituados a vencer, porque não fomos treinados para a vitória. Ser perdedor é um costume em nossa sociedade. Perdemos a todo instante, quando somos enganados e achincalhados pelos nossos governantes. Quando assistimos impotentes irmãos compatriotas se alimentarem dos dejetos das cidades. Perder é também estar desempregado e incapacitado na média idade. É morrer na violência urbana e ser tão intimidado pela polícia, quanto pelos bandidos. Assistir a milhares de dólares se esvaírem pelo ralo da roubalheira generalizada ou pagar pesados impostos num sistema perdulário e ineficiente, que eternamente beneficia os espertalhões e políticos profissionais. Seria também fazer parte de uma das maiores economias do mundo e ser miserável por omissão nacional.
            Ganhar é mera exceção em nossa sociedade. Por isso a emoção e o peso das vitórias são assustadores. Para que se crie gerações vitoriosas é necessário incitar dois sentimentos de extrema importância, característicos dos grandes conquistadores e vitoriosos contumazes: o ímpeto e a vaidade característicos da ambição. Os impetuosos são desafiadores e guerreiros imbatíveis, pois perseguem a vitória através das fraquezas do opositor. Para estes a vitória não é uma casualidade, uma exceção, mas uma regra. Não estamos tratando de ímpeto e ambição sem a temperança da ética, do respeito e da justiça, valores característicos dos bem criados; pois, do contrário, estaríamos gerando e defendendo criminosos potenciais.
            Que esta experiência olímpica humilhante sirva de lição para aqueles que dirigem o destino do Brasil. Que comecem a trabalhar a fim de que nas próximas olimpíadas não retornemos apenas amarelecidos de vergonha ou de humilhação, mas realmente auriverdes como o “pendão da esperança” e possamos gastar justamente rolos de papel em telegramas de congratulações, desta feita, sem demagogia; para atletas vitoriosos contumazes assim como os americanos, chineses, russos, franceses e tantos outros.



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A PRESUNÇÃO DA BOA FÉ DOS SIMPLÓRIOS


 

             O homem, como tudo na natureza, foi concebido com inúmeras funções predeterminadas na mecânica das leis que governam o universo e unicamente a ele foi permitida a capacidade de auto governar-se; obviamente no sentido da livre escolha do seu próprio destino. Isso significa ser livre por natureza, todavia em vista da sua característica grupal e da limitação do espaço físico diante do adensamento das populações humanas ao longo dos séculos, fez-se necessário que se instituíssem leis que regulassem a convivência. Desde então os indivíduos passaram a ter restringida sua liberdade em favor dos direitos dos outros. A isso, basicamente, chamamos organização social. Diante das regras sociais, as liberdades individuais dividiram-se em duas instâncias: primeiramente o que poderíamos considerar estado de liberdade intangível e em segundo lugar o de liberdade tangível. A primeira situação é aquela que comporta o conjunto das liberdades naturais: liberdade de credo, de gerar filhos, de ir e vir, de expressar-se, de se relacionar, de amar, de odiar, de analisar e compreender os segredos naturais, enfim; de viver. Por outro lado as liberdades tangíveis são exatamente aquelas relacionadas ao convívio social, as quais só podem e devem existir em coexistência compensativa com deveres e obrigações. Por exemplo: liberdade de aquisição e de possuir, de produzir, de se expressar politicamente, de trabalhar, de explorar recursos naturais, de se enriquecer, de consumir, etc. Mas, à medida que as comunidades se agigantaram e ficaram mais complexas, houve cada vez maior necessidade de regulamentações e sempre em detrimento das liberdades tangíveis. Nessas condições surgem os poderes estatais como elementos normatizadores e fiscalizadores mesmo em si tratando dum Estado democrático ou, em outras palavras: o Estado dos deveres para se terem direitos. Ai sim, direito de ser livre com responsabilidade num Estado de direito. Diante de tal argumento a qualificação “homens livres” é utópica e deve ceder lugar a outra muito mais lúcida e real: homens direitos para serem livres. Na seqüência a própria lógica nos leva a concluir que as liberdades humanas, numa condição de convivência pacífica, justa e equilibrada; ganham mais um status: liberdade por merecimento.
            Contudo, a humanidade, desde os seus primórdios, sofre com a chaga da tirania, mal cuja essência tem raízes profundas nas idiossincrasias do próprio ser humano e mesmo com o passar dos séculos e o aprimoramento civilizatório a maioria dos homens, quando revestida de poder, ignora o estado de direito pela imposição de interesses pessoais de cunho neurastênico, megalomaníaco ou excêntrico; desta feita roubando dos cidadãos o inerente direito às liberdades individuais. O Brasil tem sofrido penosamente desse mal em vista da epidemia de desonestidade que o assola. Por aqui, há vinte e três anos, foram-se os tiranos políticos, mas permaneceram outros: os corruptos e seus aliciadores.
            A sociedade brasileira debate-se contra esse câncer de difícil configuração, comprovação e cura; que, além de denegrir sua imagem perante o mundo, implanta a injustiça, a insegurança, o atraso econômico e tecnológico e ainda lhe prejudica a sedimentação da  cultura cívica por semear a sensação de que vive-se numa terra sem lei, onde tudo pode, porque as atenuantes são mais fortes que o próprio escopo da lei. A cada dia nossos tiranos engravatados ou não, nos tiram o sossego, nos roubam a paz, a dignidade e a confiança na proteção das instituições que existem exatamente para nos salvaguardar garantindo a esperança num futuro promissor. Diante desse dinâmico e mimético círculo do mal o último alento é o PODER JUDICIÁRIO, que tudo pode; desde que trafegue dentro dos trâmites estabelecidos pela lei, muitas das vezes ultrapassada, inadequada e estática perante a velocidade de ação e da alta capacidade de mutação dos agentes contraventores, o que a prove de lentidão paquidérmica confrontada à destreza de um pássaro.
            Em vários países socialmente mais desenvolvidos que o Brasil, obviamente há também essa discrepância, mas, na Grã-Bretanha, por exemplo, a lei no intuito de ganhar maior agilidade e velocidade de reação autoriza que julgadores valham-se de quatro ferramentas infalíveis: historicidade comportamental da sociedade ou o que poderíamos também considerar como “normas dos bons costumes” e tudo ou todos que atentem contra esse “stablishement” são previamente vistos com maus olhos. Além disso, conta-se com a experiência jurídico-profissional dos julgadores, sua idoneidade moral e ética, sem jamais desconsiderar a vida pregressa do suspeito ou acusado. E finalmente, deve prevalecer o interesse da maioria. Em suma: um conjunto de valores que delineiem a face do bom senso sempre de braços dados com a necessidade e o ato de se aplicar a lei.
            Na contramão disso, o Brasil, país que aparentemente vem sofrendo do que em outras oportunidades já considerei como ressaca do autoritarismo esse fenômeno cujos sintomas observam-se na excessiva permissividade e tolerância em todos os aspectos da vida social, algo facilmente detectável pela disseminação da cultura ao gozo de direitos sem a devida contrapartida em deveres e obrigações. Nas escolas, no convívio familiar, nos parlamentos, na imprensa, na administração pública, no trabalho, no clube, nas ruas; as pessoas estão se esquecendo ou aparentam nunca ter ouvido falar no salutar respeito ao outro.
            Até que diante da polêmica das candidaturas suspeitas, que comprovadamente já deixaram seu rastro de dilapidação dos cofres públicos, a corte superior brasileira deixou de acatar a previdente “presunção da precaução” e manteve-se fiel e alinhada à confortável e arriscada “presunção da inocência”. Inocência dos responsáveis pelo desastre nacional, que há anos mantém o país na retaguarda do ranking dos mais eficientes e justos com seu povo. Lavou as mãos passando adiante o imbróglio, se esquecendo da presunção da boa fé da maioria simplória que não sabe votar com isenção por estar secularmente abandonada à própria sorte pelo Estado leniente que nunca cumpriu com rigor o direito constitucional que ordena “educação de qualidade para todos”, pois “todos devem ter trato igual perante a lei”. 
            Se esse foi o estado democrático que sonhamos, viva a democracia brasileira! Se não, pêsames para nós, pois continuaremos reféns da libertinagem instalada, de desordeiros de toda ordem e demais tiranos profissionais por muito tempo.



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A MENINA DOS OLHOS FURADA



            Quando bem jovem, ainda nos anos da pré-adolescência, sempre gostei de ouvir conversas de adulto. Naquela época, tempo de respeito, quando não se admitia ponderações dos mais jovens; vez por outra, ouvia a voz forte de meu pai dizendo: ”menino vai lá prá dentro, isso aqui não é conversa de criança”.
            Lá em casa, dentre tantos assuntos que ouvíamos de soslaio, casos de política eram os que mais me interessavam. Obviamente não podia entender os meandros daqueles diálogos, entretanto, guiado pela argúcia juvenil, podia perceber que tratavam de algo muito sério pelas fisionomias e tons de voz alterados. Gargalhadas, protestos, socos na mesa, confabulações. Alarido ora de discórdia, ora de alegria!  Todo aquele furor alegrava o ambiente, como também inebriava o calor da polêmica e a certa dose de ansiedade e dúvida que logo se dissipavam sob os acordes do violão de Jean Pierre, do acordeão de comadre Zilda e do vozeirão do compadre José Pedro, acompanhados do tilintar de copos de vinho e cerveja.
            Àquela época, vivíamos a conturbada década dos sessentas. Anos pré e pós revolução de 64. Naquele teatro político Tancredo era nosso líder maior, orgulho da terra pela inteligência impar, brilhantismo retórico e o invejável currículo iniciado como advogado e promotor da comarca e estendido ao seu ápice como ministro do presidente Vargas. São João se orgulhava do seu filho ilustre e o recebia com festa. O zoado do teco-teco era o sinal da chegada e o povão corria ao aeroporto para ver o espetáculo. Nas procissões da semana santa, também ele estava lá e nos apressávamos para vê-lo, num curto relance, dentre o secto de autoridades de ternos negros. 
            O largo do rosário se movimentava com o entra e sai do solar, pois dr. Tancredo, como o tratavam, precisa aproveitar o tempo e colocar em dia contactos políticos com velhos correligionários. O velho Ibrahim, meu saudoso avô, membro incondicional do PSD; certa vez, num de seus encontros com Tancredo, teria ouvido como resposta a uma de suas petições em favor de alguém a célebre frase que nunca mais se apagaria da sua memória, nem da minha, pois nunca se cansou de repeti-la na sua incansável espera pelas promessas do velho amigo: - “Ibrahim, não se preocupe. O que eu puder fazer por São João Del-Rei farei com muito prazer, pois esta cidade é a menina dos meus olhos”.
            A vida na cidade era pacata como em todo lugar. O consumismo, a competição, a corrida contra  o relógio e a ansiedade ainda não faziam parte da vida e São João, que sempre se intitulou terra da cultura, se orgulhava dos grandes colégios Nossa Senhora das Dores e Ginásio Santo Antônio, da proficiência musical, das orquestras, do acervo histórico, das igrejas seculares, das obras de Aleijadinho, da intimidade histórica com a Inconfidência Mineira e seu herói maior, do regimento Tiradentes e seu histórico de bravura e conquistas na segunda guerra e ainda do carnaval propagado como o terceiro melhor do Brasil. Perdia apenas para o Rio e Olinda. Havia ainda, para abrilhantar as tardes monótonas de domingo, os foguetórios dos inesquecíveis clássicos Minas e Atletic ou América e Social.
            Certa vez, entediado da vida interiorana, relatava para tio Sebastião Pimenta as agruras de um jovem interiorano, sobrevivente numa cidade que pouco tinha para aplacar os arroubos juvenis e ele sabiamente respondeu: - “meu filho foi aqui que eu vi rua iluminada pela primeira vez na vida. Essa cidade é ótima”. Lembrando que ele teria aqui aportado por volta de 1943, como recrutado para o serviço militar.
             Naquela época rua iluminada era luxo que poucas cidades no Brasil desfrutavam; mas São João, seguindo seu natural pioneirismo, as tinha. Por isso, era naturalmente adjetivada, como “a pérola das Minas Gerais”. 
                        Infelizmente, ao longo do tempo, a pérola vem perdendo viço e também seu posto de pioneirismo para outras que nem de longe faziam frente ao glamour e ao cabedal humano e cultural de outrora.  O processo de decadência é tão claro e desalentador, que certa vez, certo médico paulista, o qual assistia uma amiga sanjoanense em tratamento ginecológico num hospital daquela capital a aconselhou que não se arriscasse a voltar para São João enquanto estivesse convalescente, pois não acreditava que numa cidade tão mal cuidada houvesse recursos disponíveis à altura do seu problema. Ele esteve por aqui excursionando e achou incondizente a fama da cidade com seu estado de abandono.  Sua franqueza feriu os brios da minha amiga que não teve outra opção a não ser reconhecer a forte razão do turista desencantado.            
            Homem de visão o tal médico. Pelas manchas do cartão de visitas imaginou certeiramente a falta de responsabilidade e de competência dos administradores públicos da eclética cidade. Mas estes não caíram do céu! Fomos nós quem os empossamos. Até quando dormiremos no ponto na hora de votar e exigir que cuidem melhor da menina dos olhos do Dr.Tancredo? Será que não se envergonham ao confrontar a capital da cultura 2007 com o mau cheiro do esgoto chamado lenheiro, buracos do calçamento central, lixo acumulado ao leu, matareu do canal, restos de construção obstruindo ruas, pontes quebradas?
            Nós eleitores não podemos nos esquecer que as conquistas do presente são frutos do trabalho responsável de respeitáveis conterrâneos. Que “capital da cultura” não deveria ser um título efêmero extinguível em trinta e um de dezembro, mas um status quo perene, amplamente reconhecido e indiscutível em todos os aspectos culturais e que não é sob o comando de governantes do quilate desses que têm nos administrado que chegaremos lá.



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A PECUÁRIA URBANA UM CRIME SEM CASTIGO.




          Na era do desemprego endêmico, todos se esforçam para se defender como puder.  Ir à luta com mais afinco, na maioria das vezes, até ganhando menos, é a única saída possível. Por outro lado, há outros, menos conformados, que escolhem os obscuros caminhos do crime, certamente contando com a sorte ou confiantes na expectativa de que nem sempre o crime não compensa, pois no Brasil, por exemplo, aparentemente, há muitos casos que ele compensa mesmo.
            Somos um povo sui generis e carregamos em nossa genética a virtuosa tendência à condescendência com aqueles que nos são simpáticos, mesmo que injustificadamente tenham cometido graves delitos. Ficamos indecisos, por exemplo, quanto a apoiar a condenação do cantor ou do craque de futebol, que, irresponsavelmente, matou alguém, porque dirigia bêbado ou nos condoemos com o sofrimento de um jovem rico, bonito, que, portando alguns quilos de cocaína, fora detido num aeroporto internacional qualquer. Até nosso embaixador se presta a ir a público dar declaração em tom sensivelmente consternado e apreensivo, referindo-se a sua provável condenação.
            Juridicamente temos crimes dolosos e culposos. Este último para faltas leves, que não envolvam mortes por mão armada, de preferência; mesmo que o faltoso seja dono de um animal solto numa estrada à noite. Dane-se quem morrer! Que não viajasse a noite, ora! Coitado do dono dos animais, pobre e desempregado esta foi a única chance que encontrara para sobreviver: tornar-se um pecuarista urbano.
            Outro dia uma amiga me contou a história de um vasto rebanho que pasta nas latas de lixo toda noite, lá pelas redondezas da sua residência. Depois se acomoda tranqüilamente, no meio da via, a ruminar e a estercar proficuamente o asfalto. Indignada com o perigo solicitou aos seus vizinhos bombeiros providências. Gentilmente assentado em sua poltrona o militar chefe lhe mandou procurar a polícia porque aquele caso não era da sua competência. A polícia, por sua vez, declarou que não dispunha dos meios para a remoção dos animais e que somente seus colegas rodoviários possuíam veículos apropriados. A polícia rodoviária passou a bola para a prefeitura - secretaria da saúde, departamento de zoonoses - pois aquele setor não era da sua jurisdição. E a prefeitura!...Até hoje, nada!
            Aí então, lhe aconselhei que deixasse o caso nas mãos de Deus. Ah! Mas e se Ele não der jeito e alguém morrer no asfalto?! Aí sim: o corpo de bombeiros virá para remover os corpos, a polícia para prender Deus e a justiça, por último, para enquadrá-LO na categoria de criminoso não intencional. Quanto ao dono dos animais, coitado, com certeza ficará ileso. Será mais um errado certo nas estatísticas desse Brasilzão esquisito.
           


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ADEUS SANTOS


29/06/2005 – 6 horas

Na madrugada, da minha janela te olho. Vejo no teu silêncio, somente conturbado pelo alvoroço das reminiscências e da esperança, a paisagem parda e estática, marchetada de edifícios enfileirados de janelas estreladas, outras apagadas, porém todas parecem se despedir. Teu céu no negro da noite, sempre enfumaçado nas brumas do outono agradável também se despede. Mostra o altaneiro cruzeiro, num privilégio sem igual, bem ali na minha frente. As estrelas e as janelas brilham e eu choro por esta cidade que levo bem aqui, no âmago de sentimentos sinceros de bons amigos, que deixo que amo, que espero.

Tento segurar o tempo, que não para. A manhã vem chegando a outro dia de trabalho a cumprir. Gostaria que tudo parasse, que fosse mentira, que fosse um sonho, que minha janela e Santos ficassem para sempre no presente. Olho lá embaixo a avenida asfaltada, lisa como um tapete comprido. Na calçada não há burburinho. Na madrugada nela quase não passa ninguém. Por lá agora só meus olhos passam. Vêm e vão, recordando as vezes que por lá cheguei e fui ao trabalho, à praia, às compras, aos amigos, ao banco, ao meu exercício matinal, ao tudo, ao nada...
           
Traiçoeiros são os sentimentos. Aqui da janela me fazem chorar por Santos. De repente, na última hora, sucumbo à própria resistência e reconheço que choro porque aprendi amá-la. Acho que agora sou um pouco paulista, um pouco santista. Ser santista é isso, é se orgulhar da brejeirice, da elegância e da modernidade da sua cidade. É se orgulhar das praias, das elegantes noitadas, das pizzarias, da proximidade com a metrópole, dos shoppings, das compras, do grande porto, do Peixe devastador*, de Pelé e tantos, das belas mulheres, dos garotões surfistas e até do calorão do noroeste* mórbido e empoeirado; que trás chuva, ressaca, umidade, vento que assobia, desconforto físico, suadeira.
           
Enfim, vão-se as estrelas, apagam-se as janelas e eu aqui cansado de chorar por Santos preciso acordar dos meus sonhos de passado, para ir à luta do dia que se anuncia; do futuro. É Minas que me espera! Acho que saio ganhando, porque agora me sinto mineiro santista. E isto não é para qualquer um! Transformei-me num mineiro especial. Levo Santos no coração!

* noroeste é um vento quente que sopra toda vez que o tempo vai mudar. Traz muita poeira.
* peixe é o time de futebol Santos



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AÉCIO E OS LOBOS MAUS

           
           
Ultimamente temos visto nosso Aécio sendo assediado pelo FHC e pelo ITAMAR. Pena que mamãe já se foi dessa prá melhor, porque senão ela diria: - “coitadinho do Aécio, se eu pudesse telefonaria pra ele tomar cuidado”. Talvez ela até tivesse razão, se nosso governador fosse marinheiro de primeira viagem, no entanto acho que já reuniu bastante experiência para saber que galo que confia em cachorro morre viúvo.
            Impressionante como as coisas funcionam no Brasil! E o pior é que tudo é culpa nossa! Sarney foi presidente graças à sorte, exerceu um mandatozinho sofrível; eu pensei que ia ser excomungando pelo povo e agora é um maranhense, senador pelo Amapá, mandachuva do PMDB. Color voltou cheio de historinha para nos fazer dormir e agora está lá, numa boa, legislando a nosso bem, ganhando os R$ 16.000.00 que eles contam mais os R$ 84.000,00 que os fofoqueiros dizem. Itamar e Fernando Henrique perderam o mandato, pelo tempo, ainda bem, mas ainda não perderam a pose de presidente. Será que eles ainda sonham em sê-lo novamente. Se fossemos índios e pela idade que têm, acho que estariam mais adequados para a “pajelança” ou então para ficarem lá sentados naquele pau avisando que vem gente.
            Claro que isso é apenas um devaneio da minha parte. Eles querem muito mais que apenas sentar no pau. Querem é ficar por aí dando uma de político guru, ensinando governar, indicando um e outro, exercendo influência aqui e ali, inaugurando "FUNDAÇÕES" que apenas servem para promovê-los ainda mais e para isso precisam de apoio de líderes do quilate de Aécio. Um absurdo esses senhores conseguirem eco nas suas demandas, pois quando estavam no comando ficaram de querelas menores em detrimento do interesse maior do povo e da segurança nacional, num momento difícil em que o mundo atravessava uma das piores  crises econômicas da história e o Brasil se debatia nas peias do Fundo Monetário Internacional, na fuga dos investidores, na queda das reservas cambiais, na super valorização do dólar. Será que o senhor Itamar pensa que os professores se esqueceram da miserável condição que amargaram na sua época de governador? Será que o senhor Fernando Henrique se esqueceu dos “aposentados vagabundos”, da CPMF que enfiou pela nossa goela abaixo e do desemprego que causaram as suas privatizações relâmpagos em sintonia com o liberalismo alve-rubro-anil americano? Ou terá se esquecido da maxi desvalorização do real que jurara nunca acontecer, feita na calada da noite, quando alguns bancos brasileiros ganharam US$ 10.000.000.000,00 (dez bilhões de dólares) num só dia? Onde estão os benefícios dos seus governos, a não ser nos créditos dos seus salários vitalícios como ex-presidentes pagos pelo pobre povo varonil brasileiro?
            Cuidado Aécio! Saia dessa! Você é um líder de lastro. Tem sobrenome, tem currículo, tem carisma, é dono de 78% da preferência do povo mineiro (existe melhor amostragem que essa?), está fazendo um bom governo, está construindo boa imagem internacional, transparece confiabilidade. Afinal de contas tem tudo que todos os políticos do mundo sonham em ter. Por que se associar a esses homens desgastados, antipáticos? Fernando Henrique é um ases da conversa afiada. Encanta com sua lábia e depois descarta. Lembra-se do que foi feito do Dr. Adib Jatene e sua boa vontade de salvar a saúde o povo? Lembra-se do que ele fez com o Itamar, quando se lançou a presidente? Deu um empregão prá ele de embaixador e só sossego, porque precisava governar.
            Aécio, você não precisa do apoio do PSDB, para ser candidato a vice de ninguém, muito menos do Serra. Paulista por paulista ficamos com o Geraldo. Além do mais vice deve ter vocação para vaquinha de presépio e bem sabemos que você vale muito mais. Você é um bom moço e não é do seu feitio desprezar os velhinhos, mas se eles jogarem duro, funde o seu partido e continue fazendo bom governo e se mostrando que do resto o povo cuida. No entanto, fazer bom governo não significa governar para você depois dizer: - fiz isso e aquilo. O mandatário consciente bem sabe o que deve fazer e deixa que o povo diga. “A voz do povo é a voz de Deus”. Se duvidar, junte-se a eles.



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BRASIL, CELEIRO DE CONTRAVENTORES.

       O Brasil é mesmo um país incorrigível. Charles Degoul, certa vez, foi deselegante conosco, quando se referiu ao nosso jeitinho de ser de forma pejorativa. Naquela sua célebre frase: “O Brasil não é um país sério” resumidamente falou tudo o que sempre soubemos, mas como ninguém gosta de fazer catarse do próprio rabo, preferimos nos ressentir e o homem não se retratou, porque era Degoul e nós éramos nós. Entretanto, de nada adiantou o mal fadado puxão de orelha francês e nem mesmo nos preocupamos em mudar nossa vilipendiosa paixão pela conspiração, pelo conluio às escondidas; essa tendência filosófica de caráter exploratório, que nosso querido avozinho Portugal nos legou.
            Nosso país virou um pandemônio e não é mais possível suportar tanta cara suja nos diários de notícias.  Onde vamos arrumar espaço nas cadeias para tamanha bandidagem?  Certamente, nem Salvador Dali, do alto da sua loucura genial seria capaz de retratar cenas tão patéticas carregadas de um surrealismo sórdido, vergonhoso e triste. Tantos homens de escol enfileirados, escondendo mãos algemadas, com aquele semblante inocente de menino peralta. Gravações de diálogos entre juizes e bandidos, entre construtores e administradores públicos ladravazes, insatisfeitos com polpudos salários e dezenas de vantagens. Negócios clandestinos de lotes de madeira amazônica, violação de provas vestibulares, tráfico de influência por toda parte, policiais de alta patente sucumbindo ao assédio milionário, venda de liminares. Até que outro dia o diálogo de um juiz carioca bateu forte na nossa cara, quando, ao ser interceptado pela polícia, o magistrado pedia ajuda a ninguém mais que a um pai de santo na empreitada para receber uma propina de um comparsa mal pagador. Sem falar nas crises dos sistemas de controle aéreo e nos golpes contra os “programas de aceleração do crescimento e luz para todos". 
            Enfim, estamos vivendo na era do mimetismo nacional, quando valores como honestidade, profissionalismo, patriotismo e dignidade passaram a ser relativos e todos parecem carregar consigo algo como uma deplorável tendência ao desvio de conduta, espécie de potencial latente que se manifesta diante da menor chance de levar vantagem. Até quando viveremos chafurdados nessa lama ninguém pode saber, uma vez que tantos cidadãos sucumbem à tentação do enriquecimento fácil, com tão alta freqüência, há tanto tempo. Uma herança cultural reforçada por leis brandas conseqüentes da ressaca de autoritarismo herdada dos tempos ditatoriais? Talvez seja. Os legisladores pós-ditadura traumatizados com os desmandos daquela época criaram benefícios legais muito bem explorados pelos marginais engravatados que ora estão colocando a polícia e a justiça em rotas divergentes: enquanto uma prende, a outra solta. Eis aí algo que turbina a coragem e lustra caras de pau travestidos de inocentes. 
            Todavia há ainda um outro ponto de vista a considerar como possível causa dessa tendência nacional mão leve. Seria também um efeito colateral da pobreza que nos assola desde nossa mais tenra idade? Talvez, porque a maioria dos brasileiros cresça ouvindo os pais se lamentarem do salário insuficiente, da necessidade de encurtar o orçamento com o empenho da prestação disso ou daquilo. Desde muito cedo o jovem teme o vestibular das universidades públicas; um funil desumano que vale a pena ser enfrentado, pois é a única maneira de galgar degraus superiores na escala social e melhorar de vida. Por outro lado, há ainda a tábua de salvação do concurso público, dando origem a uma espécie de frenesi que assola freqüentemente a juventude do Brasil, num vale tudo onde a única coisa que não se avalia é vocação. Dos milhões de funcionários públicos em atividade em todo o território do Brasil, é de se esperar que nem meio por cento seja um apaixonado pela profissão. Certamente um oportunista visando segurança, estabilidade, direitos especiais, aposentadorias integrais, férias prêmio e, talvez, o mais compensador, a certeza de estar livre da ferrenha competição no setor privado. Esses candidatos certamente carregam consigo um grande potencial de vulnerabilidade às fortuitas tentações inerentes à função que venham a exercer.
            O pior disso tudo é que quem perde é o estado democrático, que se apóia, incontestavelmente, em instituições sólidas e homens capazes de geri-las com probidade. Do contrário corremos o risco de estar incentivando novas aventuras caudílicas como é o caso recente da Venezuela Chavista. Basta o surgimento de um líder carismático dono de uma boa lábia e "adeus viola" como dizia a avozinha do meu vizinho Batista. Depois tudo funciona como bola de neve, ninguém segura mais. Aí “vamos chorar na cama que é lugar quente”, como dizia meu saudoso vôvô.

           
           




BRASIL, SOBERANO DE MÚLTIPLAS FACES.



            O Brasil não é um país plenamente soberano!... Iniciar esta reflexão com uma afirmativa peremptoriamente negativista poderá para muitos, parecer exagero ou, até mesmo, insanidade, pois estamos condicionados pelas falsas adjetivações triunfalistas que nos rotulam como “um país que vai pra frente”, “o país do futuro” ou até mesmo pelo venerável “gigante pela própria natureza”.
            A verdade histórica, todavia nos demonstra que esses clichês funcionam bem como determinantes infundadas, altamente eficazes como lavagem cerebral tão necessária ao embotamento da capacidade de discernimento das massas populares. Suas vítimas tornam-se incapacitadas para compreender que o sucesso no futuro está intimamente correlacionado à organização, disciplina, planejamento, patriotismo, obstinação, perfeccionismo, solidariedade e à supressão do clientelismo oligárquico.
Aliás, a realidade vivida pela sociedade brasileira é tão desalentadora, que apenas a pura conscientização nacionalista não bastará e terá peso relativo, se desassociada de uma eficaz política capaz de fazer o Brasil se impor como nação soberana; uma condição superlativa, que não brotará nos referenciais rotos, simplistas e pobres que o caracterizam como país do carnaval, do futebol ou das belas mulheres; mas sim nas profundezas da consciência cidadã, burilada pela educação preparatória para o exercício da cidadania participativa e compromissada com o dever do engrandecimento geral e de todos. Somente assim será possível neutralizar o estado onipresente, impositor, entreguista, perdulário e inoperante em que se transformou o Estado Brasileiro.
            O povo de uma  nação, que almeja ser grande deve entender que soberania não é um estado de espírito para se aclamar com palavras vãs, mas, acima de tudo, um status real altamente dependente do nível de comprometimento e da cumplicidade do cidadão com aquilo que seja capaz de construir para o bem coletivo e completa-se no respeito e na admiração que sua sociedade fortificada seja capaz de transparecer aos outros povos do mundo.
            Façamos uma convocação ao sujeito de nossa ação, o povo, e encaremos sem preciosismos, nem faniquitos ufanistas a realidade na qual se insere a pretensa grande nação chamada Brasil. Observe-se primeiramente que assim que inferimos à palavra “povo”, recorreu-nos seguidamente o sentido de nação. Certamente pelo abstratismo contextual, gramatical e lingüístico somos induzidos involuntariamente à pergunta: qual povo? Talvez, possamos estar nos referindo ao povo druso, ao palestino, aos ciganos. Todos esses povos constituem nações sem território. São considerados nações porque têm história, idioma, cultura e ideais próprios. A posse do território configura-se numa importante condição, todavia sua ausência não obstará a condição de nação, porém esta jamais existirá sem um povo. Neste contexto, inspirou-se o cantor e compositor Casuza, em sua antológica canção, a qual conclama o Brasil a mostrar sua cara. - “Brasil, mostre a sua cara” – Portanto, qual é a nossa fisionomia? Miremo-nos no espelho da história e ele nos descortinará várias faces, indefinidas em cores e formas, sem objetivos comuns com a nova terra, múltiplas na bagagem cultural, algumas ensandecidas, outras desfiguradas e desnutridas pelas guerras, avassaladas pela ambição, desencantadas pela invasão dos seus domínios e humilhadas pela escravidão. Este caldeirão racial rico em diversidade continha de tudo; menos amor pela terra. Não houve quem viesse por livre e espontânea vontade. Sem exceção, por algum motivo, foram expulsos de suas origens para um mundo desconhecido e como tal, inóspito. Vieram compor a base de uma pirâmide social, que, desde cedo, constituía-se disforme pelo peso das desigualdades e que jamais se moldaria sob a batuta de qualquer código de ética.
            Quinhentos anos foram nada para que a biogenética e a efervescência cultural  pudessem dar contornos à cara brasileira. Ainda não temos, aqui nesta imensa e magnífica contingência geográfica, um povo. Talvez possamos ser considerados, tão somente uma multidão multirracial, que cultiva um racismo velado e negado, a qual por demais desenvolveu a virtude da tolerância e que se abrandara, com certeza, por ter-se afastado do centro nervoso dos seus conflitos originais ou mesmo porque os fracos continuam tão ineptos que não podem ou nem mesmo sabem reagir.
            É uma falácia caracterizar seres humanos como brandos e pacíficos, pois não existe no reino animal, do qual fazemos parte, esta condição. Todos lutarão ferrenhamente pelo domínio territorial e pelos direitos básicos de se alimentar e se abrigar. Reavaliemos, portanto, cuidadosamente a excessiva paciência do brasileiro e digamos que esse seja apenas um estado  letárgico; causa direta  e crucial da ignorância endêmica e da subserviência degradante, enquanto formas de passividade inconsciente. A inconsciência em relação a  si próprio e ao meio ambiente contribui para aguilhoar eficientemente o espírito humano, aprisionando-o no cadafalso da eterna esperança de que Deus fará aquilo que Ele próprio determinou que o homem o fizesse. Todavia a transitoriedade desse maligno estratagema político-social é evidente e terá seu desfecho à medida que se adensarem as hordas de miseráveis esfomeados e ignorantes, agora, mais do que nunca, aculturando-se na esteira da invasão informativa global, que jamais se preocupa com a ética comportamental e, ainda mais, estando energisada nos arroubos de encorajamento propiciados pelas drogas alucinógenas; cada vez mais disponíveis nas entranhas da sociedade e longe de serem indisponibilizadas pelo aparelho repressor oficial. O fruto amargo desses ingredientes é a violência: um subproduto da exclusão e do atraso tecnológico. Violência que gerará mais violência, cooptando comunidades inteiras a sua prática, pela falta de justa opção de sobrevivência ou até por legítima defesa e acelerará nossa caminhada suicida para o abismo da desordem social e do desmantelamento institucional. Finalmente ao encorajamento às ações separatistas e até mesmo à intervenção estrangeira. O espectro de possibilidades negativas é extenso e estas são apenas algumas das vertentes indesejáveis, mas inevitáveis. 
            Nas bordas desse caldeirão fervente está a elite, equilibrando-se confortavelmente no perigoso trapézio do laissez-faire*, amedrontada em seus castelos, embarcada em veículos blindados e confiante em três saídas: o lobismo, o aeroporto e as contas numeradas internacionais. Faz-se de surda em ouvidos moucos e olha com ares de soberano acenando para a multidão, que nem vê, porque esta regalada em seu próprio ego.
            Perdido nessas ambigüidades debate-se o Brasil sem fisionomia própria, mergulhado um turbilhão de vozes que teorizam o que ninguém respalda, porque desconhece ou não confia. Nota-se excessiva polemização em torno de qualquer tema e isso é próprio de grupo social com objetivos indefinidos. A polêmica, por sua vez, emperra as decisões as tornando morosas e, muitas vezes, insipientes, o que é altamente prejudicial ao desenvolvimento de qualquer processo evolutivo, quer seja tecnológico ou social. Além do mais, a eterna impossibilidade de consenso denota forte influência de segmentos sociais menores, porém muito poderosos, em detrimento do que seria do real interesse para o conjunto da sociedade. 
            A fragmentação de interesses e a pulverização de esforços dirigidos à solução de problemas é tão diversa quanto a multiplicidade étnica brasileira; uma situação altamente desgastante e improdutiva em termos financeiros, temporais e políticos. Por exemplo: que nível de comprometimento patriótico ou fraterno possui os imigrantes japoneses ou, até mesmo, seus descendentes, com a comunidade negra? Estariam as nações indígenas brasileiras dispostas a se sacrificar, sob qualquer pretexto, para solucionar problemas enfrentados pelos comerciantes árabes e coreanos de São Paulo? Os panificadores portugueses do Rio de Janeiro pagariam mais caro pela farinha de trigo, a fim de melhorar a vida dos produtores italianos do Rio Grande do Sul? Quem sabe os coronéis nordestinos, oriundos das oligarquias agrárias feudais, lutariam pelos interesses dos pequenos produtores de leite de Minas Gerais ou estes, por sua vez, em especiais circunstâncias, se mobilizariam para defender os interesses dos empresários paulistas em nome dos milhares de empregos que geram? Todos os "nãos" que seguem as respostas ou mesmo o sentido antagônico que sugerem as perguntas demonstram, que o Brasil multirracial, demorará ainda alguns séculos para apurar uma verdadeira face com características próprias e desenvolver uma espécie de inter-cumplicidade social com a nacionalidade, que o propicie conquistar a respeitabilidade necessária, para que como nação verdadeiramente soberana, esteja preparada sobejamente para competir na arena das adversidades do mundo contemporâneo.
* laissez-faire – deixe estar como está para ver como é que fica.



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