Conta
a lenda que certo fazendeiro todo ano plantava muitos acres de milho e devido à
grande produtividade tornou-se o maior produtor da região. Sua fazenda estava
localizada em um planalto que se estendia das margens do rio até o sopé das
montanhas. O sistema de chuvas freqüentes e enchentes esparsas lhe conferiam
alta fertilidade às terras, pois quando não eram as águas do rio carregadas de
nutrientes invadindo vastas áreas às margens, torrentes jorravam das montanhas
depositando generoso humos das folhas caídas ao chão da floresta nativa
localizada ao derredor da cordilheira.
Lá,
naqueles cumes e grotas perdidas vivia um bando de porcos selvagens altamente
ferozes e ariscos, quase impossível de serem capturados. Sua carne especial e
muito apreciada os tornava caça preferida não fosse o risco da caçada. Dentes
pontiagudos, músculos fortes e alta velocidade demandavam cachorros especiais,
bem treinados, assim como caçadores dispostos a matar como também morrer nas
corridas desenfreadas por dentre buracos, pedras e arbustos espinhosos. O bando vivia em liberdade total, naquela
região quase impenetrável, gozando de boa saúde graças à abundância de
alimentos naturais e ao equilíbrio populacional devido à ação de predadores,
brigas entre indivíduos por demarcação de território, estabelecimento de
lideranças para conquista do direito ao acasalamento. Enfim tudo funcionava sob
a dinâmica do equilíbrio natural.
O
fazendeiro então ansioso pela carne apetitosa e barata resolveu desalojar o
rebanho com uma estratégia simples. Passou a disponibilizar parte da produção
como isca, primeiramente colocadas em pontos estratégicos próximos às matas, a
fim de cevá-los com comida fácil. Lentamente foi fixando chamariscos cada vez
mais próximos as áreas mais acessíveis.
Os primeiros indivíduos mesmo titubeantes vieram se aproximando e, à
medida que o resto do bando os observava seguros e tranqüilos, também veio chegando
até que o ato de sair do esconderijo tornou-se fato normal. Comida não era mais
problema, não demandava demarcação de território, nenhum risco, nem
enfrentamentos constantes.
A imediata
conseqüência foi que a população começou a aumentar promovendo o primeiro
desequilíbrio ecológico. As reservas naturais não mais podiam comportar aquele
aumento populacional e a crescente demanda por comida. O milho do fazendeiro
tornou-se necessidade indispensável. Todo dia, um por um, aparecia quase na
mesma hora e pastava tranquilamente o manjar caído dos céus. Ficaram tão certos
e seguros que nem mais voltavam à noite para os antigos abrigos. Dormiam por
ali mesmo, afinal, nenhum predador se aventurava naquelas perigosas
proximidades com o homem.
Então o
fazendeiro executou o segundo capítulo da estratégia. Plantou uma cerca a esmo,
alta e reforçada, de arames farpados com um comprimento aproximado de um
quilômetro. A princípio o bando estranhou, mas nada que o fizesse retroceder; e
o alimento fácil foi ainda mais reforçado.
Meses
depois, outra cerca formando um ângulo de noventa graus partiu de uma das
pontas da primeira. O bando novamente estranhou, mas não desistiu da vida fácil
a que estava habituado e continuou se refestelando nas cevas cuidadosamente
colocadas. Algum tempo passou e nova cerca, agora nascendo na ponta oposta à
primeira, de modo que se formou uma letra U gigante. O rebanho dessa vez sumiu
por uns tempos. O fazendeiro contra atacou com mais milho por todos os lados do
grande cercado em forma de U e eles retornaram em poucos dias.
Agora era
só esperar o desfecho final. Seis meses de calmaria e um belo dia o fazendeiro
resolveu fechar o quadrado, deixando apenas uma passagem de alguns metros de
largura. O bando reagiu com novo sumiço. Contudo, a fome e a tentação pelo ócio
eram grandes e alguns indivíduos mais afoitos começaram a regressar até que lá
estava todo o bando. Lentamente aprenderam que havia uma passagem estreita, mas
transitável.
Assim as
coisas permaneceram por mais alguns meses, até que um dia, muitos capangas e
uma matilha de cachorros chegaram sutilmente, empurraram todo o bando para o
fundo do quadrado e fecharam a passagem com uma forte porteira equipada com
alarmes, ferrolhos e cães famintos plantados do lado de fora.
A boa
aparência era visível, todos gordos, pelo liso, mas infelizes. Tornaram-se
comida fácil. Porém o fazendeiro como
bom administrador, agora precisava compensar as despesas contínuas e crescentes
com alimentação, manejo, construção e eletrificação da cerca, salário dos novos
empregados e comida da matilha. Não havia mais cruzamentos espontâneos, lideres
e subalternos eram tratados da mesma maneira e para cúmulo do absurdo, a fim de
aumentar a produtividade, o fazendeiro adotou um sistema de fertilização
in-vitro. Não havia mais liberdade, nem para o prazer do sexo e da reprodução
livre. Fêmeas presas de um lado, machos do outro. E para cúmulo do absurdo
foram submetidos a um regime de emagrecimento, pois carne magra com menos
colesterol tinha maior valor de mercado.
Assim o
final da estória foi triste. Indivíduos antes livres no tempo e no espaço
infinito, agora enfraquecidos e presos para sempre!
A
estratégia de implantação do comunismo assemelha-se à estória acima. Introduzindo-se
um elemento novo num ambiente auto-sustentável alterou-se profundamente o
equilíbrio do ecossistema. A simples disposição de alimento fácil minou e
enfraqueceu o instinto de sobrevivência tornando a espécie dependente e muito vulnerável.
Quando se
trata do elemento humano o fenômeno não é diferente. Apesar da racionalidade,
quando campanhas assistencialistas são introduzidas com distribuição freqüente
de esmolas e outros auxílios materiais baratos, num primeiro momento, funcionam
como medidas emergenciais com resultados positivos, mas também promovem alto
nível de deslumbramento político popular; contudo emergências não podem e não
devem se eternizar. Portanto, se, paralelamente, não forem adotadas medidas de
reestruturação social e refinamento educacional capazes de abrir horizontes
mentais, a fim de preservar e incentivar o natural instinto humano de
questionar e, por conseguinte, de ser e estar livre, para desenvolver opiniões
próprias e escolher seu próprio destino, o homem/mulher ficam embotados; assim
susceptíveis ao surgimento da inércia mental, da falta de criatividade, do ócio
produtivo e da preguiça. A certeza de que a gota salvadora virá em dia e hora
marcada é exatamente a dose do ópio que não permite os estados comunistas
totalitários se desenvolverem na mesma medida e eficiência dos capitalistas
democráticos.
Historicamente
o estado totalitário comunista entra num processo de retardamento do ritmo
desenvolvimentista, porque assume o status de provedor de uma horda de
dependentes conformados com o mínimo possível; desenvolve uma elite parasita,
perdulária e intocável; afugenta investidores pela insegurança estabelecida num
ambiente aonde quem pensa e progride é considerado vilão e inimigo do regime;
cria-se um exército de fanáticos burocratas domados como cães fieis treinados
na arte de tomar conta da vida alheia para delatar sob a mínima suspeição de
traição; finalmente institui-se o medo como eletricidade da cerca e lembrete de
“manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
ANTONIO KLEBER
DOS SANTOS CECILIO