Desde
cedo herdamos natural descaso ao que deixou de ter utilidade. Remetem-se às
teias de aranha tudo que foi substituído por similar mais novo e moderno. Mas,
para muitos; jogar fora? Nem pensar! Um dia encontrará nova utilidade que nunca
vem!...
O inefável quarto de despejo
guarda velhas lembranças, traços de uma vida passada, pedaços de memória;
fotografias despedaçadas servindo de pontos de referência na estrada do tempo.
Queridas traficâncias carregam estampas, cores e formas da inesquecível infância,
remetem aos áureos tempos de juventude, fazem rir de costumes ultrapassados e
esnobam das mais íntimas emoções a ponto de certo sentimento de ingratidão
invadir a alma, quando, pelo menos, passa pela cabeça a necessidade e a
possibilidade de se desfazer daquilo que um dia foi sujeito ativo na nossa
vida.
Contudo nada é capaz de deter
ventos rumo ao futuro. À medida que a tecnologia conquista mais conhecimento e
o mercado cria novas necessidades a serem satisfeitas, somos cooptados pela
curiosidade impulsionada pelo prazer de consumir e lojas, lares e cidades são
atravancadas pela montanha de últimos lançamentos; situação que pode
comprometer danosamente os sistemas da dinâmica vital do planeta, se
providências inteligentes não forem tomadas no sentido de se encontrar um ponto
de equilíbrio sustentável entre o ritmo da invasão do novo e o descarte do
velho.
A velocidade cada vez maior
entre o obsoletismo e a substituição, tem tornado esse ponto de equilíbrio cada
vez mais indefinível, fazendo com que milhares de quartos de despejo sejam
insuficientes para guardar tanto material a descartar; o que, por outro lado,
também vem causando sérios problemas emocionais em milhares de pessoas, cuja
reclamação é a dolorosa sensação da perda de pontos de referência com a vida
passada. A inter-relação entre pessoas e objetos perdeu o romantismo nostálgico
e ganhou ares de trem a jato viajando num túnel, aonde só é possível guardar
imagens das paisagens de partida e de chegada. A grande justificativa é sempre
a mesma: “o mercado precisa gerar emprego pressionado pela explosão
populacional, pelo barateamento dos produtos, facilidades de pagamento e
aumento do poder aquisitivo das classes menos abastadas”.
Neste ponto chegamos a uma
encruzilhada que pode nos levar a discutir aumento da inflação e outros
problemas mercadológicos. Entretanto, não nos deixaremos resvalar para aquele
campo e nos deteremos apenas na reflexão sobre o problema do descarte
enfrentado pela sociedade industrial.
Aqui introduziremos uma divisão
dos tipos de lixo em quatro categorias: descarte primário, secundário,
terciário, quaternário.
Primário: aquele produzido pela energia vital.
Seres humanos produzem lixo orgânico séptico, que demanda cuidados especiais no
descarte e cujo reaproveitamento deve passar por caríssimos processos de
condução até locais adequados, a fim de sofrer separação de líquidos e seu
tratamento, colheita de gases, compactação e readaptação da parte sólida.
Secundário: material orgânico
asséptico, ou seja, aquele que demanda pouco tempo para decomposição; tem baixa
potência de contaminação virótica e bacteriana e se reintegra facilmente ao
meio ambiente sem lhe causar danos.
Terciário: considere-se todo o
universo de material plástico, metálico e vítreo normalmente utilizável em
curtos períodos de tempo na produção de embalagens, mas que demanda longo tempo
para completa decomposição, grandes espaços físicos e processos caros e
demorados de reaproveitamento.
Esta claro que iniciamos a
presente reflexão de trás para frete, porque o campo quaternário, com certeza é
o mais visível por estar diretamente ligado à ânsia consumista e, por isso
mesmo, reina absoluto no campo das emoções.
Apesar de o problema ser de
âmbito global e estar sendo tratados pela mídia, empresas e meio acadêmico de
maneira bastante ampla, grande parte dos governantes e da população ainda o
desconhece, porque não se habituou ou não quer se adaptar por comodismo,
incredulidade, ambição ou incompetência. Tamanho descompromisso aprofunda o
problema, porque retarda providências que deveriam ser ainda mais velozes que o
processo de inundação de descartes sofrido pelo pequeno planeta, cujo número de
moradores não tarda atingir oito bilhões de cabeças e que levou
bilhões de anos para reunir fatores potenciais positivos, os quais se
combinaram de maneira aleatória para dar origem à vida e a todo os ecossistemas
relativos a sua sustentabilidade.
Mas, por incrível que pareça, o
desafio dos descartes expôs sua face assustadora e muito mais real do que antes
imaginada, quando demonstrou aos desavisados e felizes com a politicalha
nacional, que está intimamente ligado ao campo político; porquanto guarda
característica de efeito colateral da crônica incompetência dos safados
nacionais. Mês passado o mundo inteiro
assistiu à triste realidade oculta por debaixo dos tapetes insensatos da sétima
potência econômica do mundo, quando o Rio de Janeiro, cidade maravilhosa e
capital cultural em plena festa de carnaval; evento que trás milhares de
turistas e irriga a economia local com milhões de dólares, se viu inundado por
uma medonha montanha de lixo secundário e terciário, porque deixou de ser
recolhido pelos funcionários da prefeitura contratados para o serviço, pois entraram
em greve por melhores salários.
Lixo à vista gritou diante dos
olhos de madames e cachorras, bacanas e joões ninguém; deixando o Brasil
inteiro de cara lavada no palco mundial, quando todos conheceram a cara da
incompetência nacional e ficaram sabendo quanto ganham garis cariocas
responsáveis por um serviço que há muito perdeu a face de função desprezível e
ganhou o status de atividade nobre e fundamental na manutenção da vida e do
humanismo paisagístico das cidades.
A realidade nacional é tão caótica
que qualquer manifestação localizada, causa susto tão grande, quanto causaria a
um paciente que apresente manchas escuras na pele com características que
prenunciem moléstia já instalada. Considere-se o caso do Presídio de Pedrinhas
no Maranhão, que guarda semelhanças com tantos outros casos com potencial para
explodir a qualquer momento. Cala-se então a questão: e se os garis do resto do
Brasil resolverem fazer o mesmo em épocas importantes? E se as Polícias
resolverem fazer o mesmo? E se as Forças Armadas? E se os aeroviários,
enfermeiros?!...
Todos trabalhadores sofridos explorados por
altas cargas tributárias, muitas vezes dando tudo de si por amor à camisa,
percebendo salários aviltantes corroídos mensalmente pela inflação... O que o
governo sindicalista popular bolivariano comunista, que se diz democrático e
preocupado com o trabalhador, faria? Talvez criasse o programa “Mais Garis”
importados de Cuba, para trabalhar como escravos ou como espiões, uma vez que o
lema que temos vivido no Brasil ultimamente é o de que “Nada pode estar tão
ruim que não possa piorar”.
A imagem do lixo depositado nas
calçadas, cheirando mal, atraindo roedores do tamanho de muitas caras de páu é
a escultura fiel da realidade que hora vive a sociedade brasileira inundada num
mar de mentiras, corrupção consentida, nepotismo, mágicas para transformar
condenações em ilusões, a fim de indultar cúmplices. Traições dissimuladas
contra a democracia e o Estado de Direito cometidas por pessoas que foram
eleitas democraticamente para protegê-los, mas que estão alinhadas com
ideologias políticas tradicionalmente contra a liberdade e a cidadania digna.
Estes governantes cospem na cara
da democracia, quando se alinham a amigos habituados a torturar, condenar
sumariamente, manter presos políticos incomunicáveis e indefensáveis por anos,
exportar e importar mão de obra semi-escrava, a fim de fazer dinheiro sujo e
com ele saciar a sede de poder, sem se importar com o crescimento sustentável
das suas nações, nem com bem estar material, mental e
espiritual das futuras gerações.
Talvez essa fosse a hora
apropriada para criarmos a última classificação do descarte: o lixo
humano-político. Quem dera os nobres garis do Brasil, que diariamente varrem e
recolhem descartes a troco de salários miseráveis fossem capazes de varrer a
safadeza imoral para bem longe das vistas e das vidas de quem nasceu num país
maravilhoso, cuja bandeira tombada ostenta o direito à “Ordem e Pregresso”!
ANTONIO
KLEBER DOS SANTOS CECÍLIO.