O PATO COMUNISTA E O PINTO CAPITALISTA.
Certo imigrante vindo lá das Arábias, no seu mais profundo sentido genérico, uma vez que todo imigrante árabe leva o codinome de “turco”; não garanto exatamente de qual país ele era, todavia estou certo que era turco. Nossa personagem aportou no Brasil no ano de 1907, tinha sete anos e era o filho mais velho de um casal de pobres miseráveis seguidos por uma penca de cinco filhos, a mais nova com um ano. Chegaram ao Rio de Janeiro sem falar palavra em português, sem saber nem onde o sol nascia, foram recebidos por um intérprete contratado pelo governo, que na época concedia asilo aos fugitivos das seculares guerras e perseguições implacáveis comuns no Oriente Médio.
Naquele dia que meu amigo turco relatou sua via-crúcis, com olhos inundados pela saudade dos velhos pais, além das feridas do espírito, era seu aniversário de cento e um anos. Com a voz embargada confessou-me veladamente que o maior inimigo não eram os perseguidores, apesar de cruéis, mas a fome, que mata devagar vinte e quatro horas por dia e continua matando até que a última célula expire. Um tiro de misericórdia é mais alentador que morrer de tripas vazias.
Na “DISTRIBUIÇAO”; nome que davam ao serviço de orientação aos recém chegados, foram alocados para Minas Gerais, mais exatamente na cidade de Conceição da Barra. Com o pouco dinheiro que trouxeram; migalha oferecida pelos avós do turco, para ajudar no êxodo familiar, compraram pequena casinha que nem porta tinha. Móveis, havia apenas velha mesa que de tão surrada foi deixada pelo antigo proprietário como brinde aos compradores. Tirando o lenço do bolso, enxugando uma lágrima e outra, contou-me a mais tenebrosa noite da sua vida. Chovia a cântaros, raios de todas as nuances singravam o céu, trovões estremeciam as paredes frágeis como a marcha dos cavalos dos inimigos que ficaram do outro lado do mundo e a família se escondeu debaixo da mesa.
Ao amanhecer seguinte, logo à primeira luz, saíram para reconhecer melhor o ambiente e viram que o rio estava cheio, o verde da vegetação era mais nítido que no dia anterior, alguns pássaros chilreavam na beira quebrada do telhado. E então, sua mãe se ajoelhou, postou as mãos ao alto, deu graças e decretou tendo Deus, o marido e os filhos como testemunhas: - “Viemos para o paraíso. Aqui não passaremos fome nunca mais”. Entrou, tirou da pequena mala uma figura do Sagrado Coração de Jesus, pendurou-a na parede e por baixo, num prego enferrujado e torto, fixou um mapa do Brasil extraído dos documentos recebidos na hora da chegada, e benzeu-se.
Aos quase quarenta anos, depois de duras labutas ajudando a família no lugar tenente de filho primogênito, o turco estava órfão de pai e mãe. Continuou o trabalho no armazém de secos e molhados dos velhos, adquirido por seu pai com reservas economizadas no árduo trabalho de viajante vendedor de bugigangas e tecidos baratos pelos povoados da redondeza. Também orientava a tropa semanal de burros que ia à cidade levar lenha e mercadorias frescas. A volta servia para trazer sal, café, açúcar, carne seca e querosene para usufruto próprio e abastecimento da vizinhança, que contava com apenas aquela fonte de fornecimento.
O turco que virou pai dos irmãos mais novos, depois de casar as duas irmãs caçulas, vendeu sua parte no negócio aos irmãos, juntou com outras economias e partiu para São Paulo, a convite de um velho amigo da viagem ao Brasil, que havia sido distribuído para lá e já havia construído fortuna muito maior que a sua.
Algumas semanas o turco alojou-se no quarto dos fundos na casa do amigo e, sempre de olho num bom negócio logo comprou uma joalheria. Lentamente aprendeu os segredos da profissão e com o passar dos anos transformou-se em comprador oficial de ouro a serviço do Banco do Brasil, função hoje atribuída a Caixa Econômica Federal, que não existia àquela época.
Paralelamente comprava jóias usadas, desmanchava, vendia o material com lucro e transformou-se num ourives de primeira grandeza com obras raras desenhadas e fabricadas por ele em vários cantos da cidade e até do Brasil.
Hoje, depois de viúvo e patriarca de uma família de quatro filhos e dez netos, além de uma penca de bisnetos, se define como um pobre diabo batalhador. Os quatro filhos seguiram a mesma profissão, fizeram cursos de ourivesaria e gemologia nos Estados Unidos, venderam tudo no Brasil e se mudaram para aquele país de mala e cuia. O turco ficou aqui sozinho, tem muita saúde, mas vive hoje num asilo, aos cuidados de médicos e enfermeiros seus empregados, pois ele é o dono do asilo, mantido pela empresa americana de seus filhos. Vez em quando vai visitá-los, mas àquela altura estava desanimado para enfrentar aeroportos e longo tempo assentado. Diz que não pode mais sair de onde seu coração tem que ficar e por isso quer morrer no Brasil e que seu corpo seja consumido por essa terra abençoada.
Então, extasiado diante da sua saga, apesar de saber que trabalhou igual a um verdadeiro mouro, lancei-lhe a fatal pergunta:
- Conte agora qual o segredo do sucesso?
Ele então olhou para a lâmpada, onde rodopiavam alguns insetos, pensou, enxugou outra furtiva lágrima, arrumou o corpo na cadeira e respondeu:
- Viver e trabalhar no Brasil, porque quem não vence aqui é vagabundo ou burro; muito trabalho duro, pouco sono, objetivos bem traçados, planejamento e saber usar o dinheiro dos outros; ou seja: pagar em dia. Em resumo – honestidade!
Então perguntei:
- E a sorte?
Ao que respondeu:
- Se eu fosse contar com ela não teria ganhado nem um quarto do que ganhei.
Mas a chave de ouro ele deixou para finalizar:
- “Comer como pato e defecar como pinto”
Diante da história de sofrimento e sucesso relatada acima conclamo o leitor a refletir sobre o que acontece no Brasil hoje.
O turco, segundo o jargão corrente, é considerado um exemplar da “elite branca”, capitalista, imperialista, cruel com os pobres; por isso deve ser massacrado com infindáveis dívidas tributárias e, se possível, um bom Comunismo, para confiscar seus bens ganhos com trabalho comprovadamente honesto.
Os governantes brasileiros sempre foram ineficientes, perdulários e mentirosos, mas ultimamente a indústria da desonestidade ganhou força e nunca o pato excretou tanto e tão mal. Quem discorda que levante a mão!...
Então, pergunto ao leitor: O turco estava certo ou errado quanto à matemática das aves? Se não fosse o trabalho duro e as economias de pinto, alguém teria suprido suas necessidades e lhe construído fortuna?
Moral da história?
Filosofias inúteis e ideologias baratas não enchem barriga nem constroem vencedores. Portanto, o melhor caminho é disposição, honestidade, trabalho duro e pouca conversa fiada. O turco passou fome, dormiu debaixo da mesa e nunca precisou de ajuda de governo nenhum.
ANTÔNIO KLEBER DOS SANTOS CECÍLIO.