Outro dia um amigo remeteu-me uma dessas bobagens que diariamente recebemos pela internet com o seguinte relato: “A ONU enviou mensagem para cada país com a pergunta: Por favor, dêem honestamente vossa opinião sobre a escassez de alimentos no resto do mundo? A pesquisa foi um fracasso. Os Europeus não entenderam o que era 'escassez'; os africanos não sabiam o que era 'alimento'; os cubanos não entenderam o que era 'opinião'; os argentinos qual o significado de 'por favor' e os americanos, nem imaginam o que seja 'resto do mundo'. Quanto ao governo brasileiro, está debatendo o significado de 'honestamente’".
Confesso que relutei em abri-la, mas vitimado pela curiosidade acabei apressadamente correndo os olhos pelo texto e sucumbi ao pé da criatividade de alguém, que aparentemente, como eu, vive acabrunhado diante dessas lamentáveis características que infelizmente rotulam os povos ou desonram o fato e o ato do exercício da política.
Vergonhosamente o Brasil é qualificado como um dos países mais corruptos do mundo. Ou talvez fosse mais justo dizer que nós brasileiros somos um povo, cujas características culturais englobem também a conduta duvidosa, sempre tendente à impulsão incontrolável para levar vantagem a qualquer custo sem medidas de conseqüências? Parece-me que a resposta tem se configurado positiva em vista dos fatos que há séculos mancham nossa imagem através do mundo e da história. Não enumerarei tais fatos, pois seria impossível fazê-lo dentre os limites dessas parcas linhas, entretanto nos últimos dias novas informações recheadas de contundentes imagens vieram engordar nossa já inflada indignação com os corruptos que povoam a malta de homens sem escrúpulos e o quanto nos custa sua conduta antiética. Semana passada foi publicado relatório de alta confiabilidade, me enviado por um amigo, dando conta de que a corrupção custou ao tesouro nacional, num período aproximado de ano e meio, a fabulosa quantia de US$ 40 bilhões de dólares; equivalente ao PIB – produto interno bruto – da Bolívia no mesmo período. Ou seja, uma montanha considerável de recursos extraviada das engrenagens motoras brasileiras, que nos cobram pesadíssimos impostos, mas nos devem hospitais públicos menos parecidos com matadouros, estradas, portos, aeroportos e demais logísticas que atendam às demandas de uma nação pretendente à liderança mundial, salários à altura da nobre missão dos professores e escolas públicas que sirvam para algo mais que simplesmente gerar índices estatísticos maquiados. Mais marcante ainda foi ver os chefões do crime carioca tentarem passar, na pura cara lavada, pelas barreiras policiais, embarcados na certeza de que suas escoltas estreladas estariam incólumes ao crivo daqueles que não estavam dispostos a vender a honestidade. Forte sinal de que o expediente é comum e já rendeu sucesso noutras tantas vezes.
Viver honestamente, portanto é o modus vivendi dos que, como aqueles policiais incorruptíveis cumprem seu dever sem intenções espúrias e se deitam em paz pousando suas cabeças sobre o travesseiro macio da honra, encarando seus filhos sem o peso do remorso a lhes sobressaltar o espírito. Lembrando que condutas dessa natureza custam menos em termos monetários, alavancam o progresso e minoram o sofrimento social.
“Tenho vergonha de mim, pois faço parte de um povo que não reconheço, enveredando por caminhos que não quero percorrer. Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro”. Este célebre lamento foi proferido por Rui Barbosa no alvorecer do século passado, numa demonstração de que as coisas no Brasil não mudaram ou evoluíram desastrosamente para pior.
Minha opinião sobre o desabafo de Rui Barbosa compõe-se de duas vertentes: Concordo com a verdade incontestável de que os justos devam se envergonhar da séptica lama onde estão obrigados a viver e conviver, entretanto não se deve esperar que rochas não se moldem à investida insistente das ondas; porquanto, por justiça, estes justos devem ser recompensados à altura das suas indeléveis atitudes em prol do bem. Foi triste e frustrante saber daquele policial, que rejeitou um milhão de reais em troca da sua honra, retornar ao lar localizado num subúrbio distante, obviamente sem demérito pelo local, mas embarcado num trem suburbano, que todos conhecemos a baixa qualidade devida à desídia governamental. Mau sinal e extremamente preocupante militares da força pública viverem vulneravelmente na camisa de força dos baixos salários, enquanto sabe-se quanto o Estado Brasileiro é perdulário e benevolente com outras classes e cidadãos ornamentados pelo indefectível colarinho branco sujo.
Em segundo lugar, a crítica de Rui Barbosa não aponta solução para o problema, talvez porque, a seu tempo, o mundo ainda vivesse a utopia do socialismo marxista embalado na crença de que o paternalismo estatal fosse a solução para todos os problemas. Hoje, após o fiasco do marxismo, do socialismo bandeira branca e até mesmo do capitalismo carnívoro e excludente, concluiu-se que a solução mais eficiente está no maciço investimento em educação encarando-a como único meio de aperfeiçoamento do capital humano nivelando os cidadãos por cima, assim lhes garantindo liberdade de expressão, discernimento na escolha dos seus destinos, capacitação técnica e profissional, dignidade e respeitabilidade para o pleno exercício da cidadania.
A administração, em todos os aspectos, inclusive a pública, no século XXI, será mais do que nunca, o encontro de imaginação e realidade. Através da alta velocidade da informação proporcionada pelas tecnologias de ponta em telecomunicações haverá cada vez mais integração entre os centros de decisão e os setores mais longínquos do tecido social. Nesta evolução morrem a ignorância, o assistencialismo cabresteiro e o favoritismo eleitoreiro; nascendo a conscientização, a interatividade, a coparticipação e a conseqüente diminuição da desigualdade entre ricos e pobres.
Portanto, com o incremento da cultura, da informação, da participação social e do interesse político os cidadãos nunca se esquecerão que quando os gatos se ausentam, ratos sobem à mesa e que para combatê-los não bastam apenas ruídos, mas planejamento e ação com gatos bem treinados, honrados e alimentados.