HOMENAGEM PÓSTUMA AO SAUDOSO GILBERTO RIBEIRO LIMA, O VICENCIANO* AUSENTE.
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MORRE O HOMEM, NASCE
O MITO, FICA A SAUDADE!
Critica-se
a cultura ocidental, porque nela não há espaço para a morte, assim contrariando-se
os ensinamentos cristãos e também de algumas outras religiões que consideram a
morte apenas uma passagem e renascimento para nova e etérea vida; quando os
bons herdarão o reino de Deus e os maus arderão nas chamas do inferno.
A
época era o final dos anos sessenta, principio dos setenta e nós não lembrávamos
nem da salvação, nem da condenação e muito menos da morte. Éramos puros e eternos!
O
mundo ardia nas ondas da Guerra Fria, as superpotências ameaçavam dar um fim ao
planeta, Marx era nosso guru, a mini-saia nossa paixão e o rock and roll nossa inspiração.
Calça Lee boca de sino, cinturão, camiseta curta e apertadinha, sapato tipo
astronauta, crucifixo ou interrogação no pescoço, cabelos e barbas longas era
nosso visual.
Festival de Woodstock acabara de
acontecer para plantar nos espíritos jovens a contestação contra toda ordem
estabelecida. Protestava-se contra tudo e todos! O lema central era a liberdade
absoluta. Tabus deviam ser colocados abaixo! Velhas regras, velhos conceitos,
bolero, tango, samba; nada disso valia mais que as baladas dos Beatles, a efervescência
dos Rolling Stones, os protestos românticos de Bob Dylan, a cadência energética
do Creedence e os acordes da guitarra incendiária do genial Jimi Hendrix.
Roberto
Carlos não era o cara e fora reduzido ao desprezível lugar de Pato Carlos, o
cantor de canções de ninar. Odiávamos a Tropicália. Os ídolos nacionais eram o
indômito Raul Seixas, a Mosca da Sopa e a respeitável louca sabedoria de dez
mil anos.
Foi
nesse ambiente de conturbação social, efervescência política, paz, amor e rock,
que conhecemos o velho guerreiro Gilberto; o admirável sósia do Raul Seixas.
Este estava bem próximo e palpável, diferente do outro, bem distante. A cada
novo lançamento do “Maluco Beleza” ele vibrava como ninguém, trazia a letra num
pequeno papelzinho e hora e outra batucava e cantarolava na roda da mesa onde
se assentasse.
Admirado
por todos! Presença sempre querida, pois ali estava o cara de alma leve,
engraçado, simpático, animado. Suas noites nunca passavam da infância. Para ele
a noite era sempre uma criança, não importava a posição dos ponteiros do
relógio, frio, chuva, neblina. Se houvesse companhia disponível e um violão roqueiro
debaixo do braço, apenas o sol dava fim aos encantos da madrugada.
Além
dos amigos, do rock, da paz e das noitadas bem acompanhado, Gilberto carregava
em mente outro importante dogma; também sua marca registrada. Amava a Justiça e
sofria com a eterna desigualdade, que sempre assolou o mundo e o Brasil.
Sonhava acordado com tempos melhores, quando houvesse espaço para todos. Os
fracos e rejeitados tinham morada fixa em seu grande coração, nunca deixava de
lhes dar atenção; um copo de cerveja para o bêbado da hora, um sanduíche para a
criança pedinte, a mão estendida à velha senhora que atravessava a rua, o braço
no ombro do amigo que aparecia triste. Sobre o bêbado, justificava que mais um
menos um copo, não faria diferença. Importante era não desprezar o pobre
coitado.
O
eterno barbudo, amigo de todos os amigos, mesmo tendo olhos largos para
longínquos mundos e para a divina filosofia ideológica que sempre inundou seu
inquieto espírito de homem bom e solidário, nutria, antes de tudo, demasiado
amor por sua querida e aconchegante São Vicente de Minas. Dizia ele que aqui os
amigos são mais amigos, os ares mais puros e que a combinação de ares e
amizades recarregava suas baterias.
Para
qui veio e daqui nunca mais saiu. Plantou raízes perto da família, dos amigos e
do seu lendário bar. Enquanto a cidade dormia, o bar sorria de tanta juventude,
frenesi, alegria, cheiro bom de pizza e, para finalizar, o cordial tapinha nas
costas junto a um pedido de desculpas: - “Me desculpe a correria! E que sou eu
e meu irmão para atender tanta gente e aí acontecem uns probleminhas. Na
próxima vez vamos melhorar!”
O
velho jovem tinha também uma curtição que apenas os mais íntimos conheceram.
Amava a família, a história dos antepassados, as aventuras da infância junto
aos primos. Era o primeiro a telefonar comunicando a morte de um ente querido e
antes de mais ninguém lá estava ele prestando as últimas homenagens.
Enfim,
foi-se a figura icônica, ficaram três gerações órfãs da sua hospitalidade, do
jeito singular de ser, da presença bem vinda em todos os momentos festivos.
Mesmo depois dos tantos cabelos brancos, jamais deixou de ser jovem e carregar
no olhar um ponto de interrogação e outro de exclamação. O crucifixo estava agora estampado na alma,
tudo ornado com o inesquecível meio sorriso como que querendo dizer: - Enfim
cheguei! Nesse momento ele era os fogos da nossa festa, assim sentiam nossos
corações.
Descanse
em paz velho curiango e, se puder peça ao seu santo de devoção que zele pelos
amigos e admiradores que aqui ficaram, orando por você, nosso túnel do tempo.
ANTÔNIO KLEBER DOS SANTOS CECÍLIO.
* Natural da cidade de São Vicente de Minas; localizada no Estado de Minas Gerais
* Natural da cidade de São Vicente de Minas; localizada no Estado de Minas Gerais