Enfim, chegou o grande dia! Manhã de domingo, nada prá fazer, ansiedade toma conta e na contagem regressiva, minuto a minuto, cresce a expectativa do duelo arrebatador entre os ases Messi e Neymar. O time espanhol, pela precisão estratégica e intimidade com a vitória, já se tornara velho conhecido aqui na terra do futebol e nos demais quadrantes do mundo. O Barça e seu esquadrão internacional, em algumas décadas, se tornou lendário não só pelo talento dos jogadores, como também pelas somas astronômicas dos custos administrativos, mega-salários e todo o aparato midiático que o assedia na certeza de clicar, ainda que em mínimos furos, quaisquer segredos que venham reforçar a certeza de que o futebol, sem dúvida, é o mais belo e emocionante esporte dentre tantos. O Santos, ao seu lado, diante da inebriante mistura de sucesso e riqueza apresentou-se como David diante de Golias. A seu favor o brilho histórico dos fantásticos dribles do atleta do século, o rei Pelé; dois campeonatos mundiais, o título de Campeão da Libertadores 2011 e mais a presença esperançosa do garoto Neymar, sob sua monumental crista de galo e equipado da leveza do futebol moleque, zombeteiro, encantador, oferecido como dom inexplicável, talvez, pelo anjo do futebol de várzea, que protege e abençoa os garotos pobres que vicejam nos longínquos e invisíveis cafundós do Brasil.
Como era de se esperar, pelo favoritismo e mesmo pela superioridade técnica, David fora à lona, esmagado como mosca. Quatro a zero e podia ser mais se o Barça estivesse nos seus melhores dias. A imprensa brasileira estarrecida com a letargia do Peixe, que mais parecia um time de pinóquios da quarta divisão, resolveu lançar a brilhante idéia de que o Leão da Vila, seu professor Murici e todos os brasileiros receberam uma aula de futebol e que daqui prá frente nossos mambembes futebolistas iriam se esforçar para lutar em campo nos mesmos moldes dos gigantes espanhóis.
Particularmente confesso que, além do estarrecimento que golpeia minh’alma brasileira, ainda luto contra a terrível dúvida que paira na memória de quem já viu tantos shows de futebol, tão ou mais belos que este apresentado pelo Barça. Aí me pergunto: - teria sido melhor ser um jovem e acreditar nas aleivosias que estão cometendo com a mais brilhante história de sucesso futebolístico vista pelo mundo, tomando como base apenas o show de habilidade tática contra um peixe morto, tremendo de medo, sem a menor vergonha de concordar que precisaram ir tão distante, com custos tão altos, diante de bilhões de telespectadores, para tomar aula de futebol ou ser um velho, coroado das neves do tempo, para bendizer a honra de ter assistido aos shows apresentados pelas tantas seleções brasileiras que alçaram a Bandeira Auri-Verde ao podium cinco vezes, fora os vice-campeonatos, terceiros e quarto lugares, mais o contra peso das fileiras incontáveis de ases como, Pelé, Garrincha, Nilton Santos, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Gerson e tantos que a memória fraca e irreverente da nossa imprensa desportiva parece já ter se esquecido?
Diante dessa dolorosa dúvida, tremo diante de mim, pelo asco de ser brasileiro e, além de ser obrigado a conviver com a lama escatológica que tomou conta da nossa sociedade, ainda ter que engolir graves injustiças contra aqueles que ofereceram seu trabalho honesto em nome do engrandecimento da imagem do Brasil. Urge, portanto, que se faça justiça àqueles gigantes do futebol, que há décadas veem alegrando a alma sofrida desse povo massacrado, por enfrentarem com garra, ginga, muita arte e responsabilidade as seleções mais fortes do mundo, aguerridas e muito focadas no objetivo de defender, não só a honra de sua pátria, como também a esperança alegre de seu povo.
Não é necessário entender muito da arte do futebol para enxergar que o time espanhol joga futebol compacto concentrado no velho “todos por um e um por todos”, baseado no superpreparo físico possibilitando passes curtos quase que unicamente em dois toques rápidos e precisos, cuja marcação implacável é feita homem a homem e, até mesmo, três contra um; que aproveitam a saída da bola no campo adversário numa clara “operação abafa” e que a estratégia básica e simples é que todos devem servir ao Leopardo Messi. O combalido professor Murici e seus pupilos já estavam cansados de saber disso e claramente foram lá tão somente para cumprir a agenda e fazer compras natalinas na Terra do Sol Nascente, privilégio de poucos dos idiotas que levantaram cedo para assistir àquela ovação ao toureiro que arrebatara o touro dependurado.
Mas o futebol brasileiro é assim: por duas vezes demos de mãos beijadas o campeonato mundial para a França por causas obscuras até hoje inexplicáveis, tal como os verdadeiros por-quês da letargia do Peixe Morto jamais terão explicação. Não é admissível que o torcedor brasileiro aceite a desculpa amarga de que precisamos de aulas de futebol, quando na verdade a matéria deveria ser outra: aulas de vergonha na cara, de profissionalismo, de patriotismo, de maior comprometimento e respeito com o patrimônio que nossos memoráveis atletas do futebol construíram para a posteridade.
Portanto, preciso é que cuidemos, e esta deve ser uma das aulas que nossa imprensa desportiva deve tomar, para que não desçamos do pedestal de penta campeões do mundo, nem enxovalhemos nosso respeitável histórico e fiquemos aí a discutir questões de baixo calibre que comparam Pelé a Maradona, Messi a Neymar ou que o senhor Guardiola tenha inventado nova maneira de jogar futebol. Lembro aos nossos jovens torcedores e professores da bola nos pés, que as melhores aulas de futebol que o mundo já assistiu aconteceram, quando, na copa do mundo de 1970, a seleção brasileira, capitaneada pelo rei Pelé, sagrou-se campeã invicta e em 1974, quando a seleção holandesa temida “laranja mecânica”, também, àquela época, reconhecida como “o carrossel holandês”, praticante do “futebol máquina”, capaz de fazer gols até por encomenda e capitaneada pelo maestro Johan Cruijff perdeu a invencibilidade na partida final aos pés da Alemanha Ocidental, esquadrão que havia feito campanha muito menor, mas que se valendo de muita garra e determinação conseguiu desmontar o Carrossel.
Mais do que sabido é que o mérito pela invenção do futebol é dos ingleses e quem mais aproveitou e também esnobou oportunidades fomos nós brasileiros. Além do mais, o combustível, para que continuem a obra dos nossos heróis é deixarem de tratar do futebol com puro sensacionalismo e como fonte de altas rendas. Em qualquer atividade humana, quando o dinheiro se transforma em objetivo primaz a finalidade central entra em decadência, portanto, que o exemplo do massacre ao Santos sirva de lição, não para que aprendamos a jogar futebol, mas para que os cartolas entendam que dinheiro é importante como conseqüência e mérito pelo trabalho sério com objetivos definidos, planejamento adequado, disciplina, focagem contínua, liderança forte, respeito à nacionalidade e obstinação pela vitória.