O episódio do gás boliviano trás nas entrelinhas características bastante interessantes que, por isso mesmo, merecem algumas considerações. No dia 04 de maio último os presidentes do Brasil, da Venezuela, da Argentina e da Bolívia se encontraram para discutir os rumos da política energética na América do Sul. Quatro presidentes! Quatro homens de origem humilde, que nasceram em regiões remotas de seus países, sem acesso ao conforto dos grandes centros, nem às mordomias gozadas pelos meninos mais abastados.
Nestor Kishiner, nascido lá no extremo sul da Argentina, região desabitada e com índices de pobreza maiores que a média do país, foi um político inexpressivo até se transformar em presidente. Lula , um nordestino migrante e fugitivo da fome, sem escol nem gravata, de dedo cortado numa máquina da vida. Inteligente, oportunista e falastrão; desenvolveu a coragem e a persistência capazes de vencer a resistência dos poderosos e a paciência do eleitor. Chaves, o venezuelano metido a Fidel Castro, um comunista amarelo, que gosta de desafiar as elites e os Estados Unidos com desaforos verbais, mas que continua vendendo bilhões de dólares em petróleo àquele mesmo país. E, por último, Evo Morales, o protagonista da última hora, um andino pobre e aventureiro, que desceu das montanhas para ascender ao poder.
Que lição encerra essa realidade é a questão chave. Esses homens no poder significa que o método do massacre adotado pelas elites desde os tempos coloniais vem chegando ao fim. Os doutores estão perdendo espaço na confiança do povo e os “joõesninguém”, agora, como nunca, mais protegidos pelos ventos democráticos se encorajam e, cada vez mais, reivindicam o direito constitucional que garante a todos, sem exceção, o direito de se eleger. As elites podem ir se acostumando, porque o fenômeno esta apenas no início. Se os menos favorecidos são a maioria, obviamente as chances dos representantes dessas alas são maiores, ainda mais considerando-se que grande parte da dissidência do eleitorado descontente com os partidos de elite vem se alinhando e se encantando com os discursos da esquerda, refúgio natural desses candidatos alternativos.
O exercício da política assim, muito mais rápido do que se imagina, vai deixando de ser um privilégio das oligarquias tradicionalistas e se transformando numa arma de desforra nas mãos dos relegados, invariavelmente cheios de ódio oriundo dos traumas e frustrações naturais da vida sofrida da qual emergiram. O melhor exemplo temos na conduta do venezuelano Chaves, que visualiza o aprofundamento do ódio entre as camadas sociais de seu país como a melhor forma de encontrar o equilíbrio social. Para isso usa da força da intimidação, contrariando preceitos democráticos básicos e se valendo daquela velha forma populista de governar aclamando com “oba oba” até o luar ou a chuva que cai para refrescar as tardes quentes de Caracas. Na verdade os seus pobres continuam tão ou mais pobres que antes e prova disso é a existência dos favelões de Caracas.
O velho populismo é ruim de qualquer maneira. Só serve para enganar os mal informados, pois nunca funciona, nem sob a oratória elitista dos doutores, nem sob a rudez dos plebeus e, além disso, está sempre a colocar em risco o que vai bem. Isso porque não mede conseqüências uma vez que visualiza apenas interesses materiais e promoção pessoal. Evo Morales ganhou as eleições bolivianas, porque seu povo esta cansado da exploração dos poderosos. Primeiramente, dos poderosos deles e depois do imperialismo das transnacionais, entre elas, a Petrobrás. Entretanto o seu discurso e sua conduta Robinwoodiana prometem novos tempos fingindo desconhecer as retaliações desastrosas previstas nos contratos que ninguém os obrigou assinar. O discurso populista continuará dizendo que aqueles contratos serão renegociados como se confiança não fosse algo que se conquista com muita responsabilidade, persistência e constância de objetivos.
Há, entretanto algo que precisa ser considerado. Evo Morales está diante de um gigante de joelhos. Os negociadores brasileiros avançaram na lua dele pensando que era queijo optando por uma matriz energética que o Brasil só dispõe de 30% das suas necessidades. Os outros 70% estão no quintal boliviano e, além disso, existe plantado naquele território um exuberante complexo que custou ao povo brasileiro 1 bilhão e meio de dólares. Ora, isso é tão certo quanto “dois mais dois são quatro”: se construo na horta do vizinho estarei sempre disposto a tolerar suas exigências, porque senão, um belo dia, não entro em casa; a não ser que tenha trunfo nas mãos. E quais trunfos tem o Brasil com relação à Bolívia? A China, por exemplo, é um país que recebe investimentos do mundo inteiro, tem um sistema político que suscita certa dúvida nos investidores, mas, em contrapartida, tem “telhado de vidro”, porque também faz investimentos no mundo inteiro e certamente mantém bilhões de dólares depositados nos grandes bancos internacionais. Quais investimentos e quantos bilhões de dólares tem a Bolívia depositados no Brasil ou em qualquer outro banco do mundo? Entretanto, nossos negociadores não vêem risco nenhum em nada. Pelo que parece o Brasil está mesmo vocacionado a ser o filantropo da América Latina. Vamos aliviar a miséria deles com a nossa miséria. Viva o Populismo!