Há anos, quando menino, lá nos fundos da
nossa casa, uma vez por semana chegava o trenzinho que vinha estremecendo a
terra, apitando e fumegando, soltando labaredas vermelhas por baixo e um grande
tufo de fumaça negra pela chaminé. Ao ouvirmos ao longe o apito insistente
corríamos para assistir ao espetáculo, conferir quanta mercadoria chegava e se
havia viajantes para desembarcar, quem eram, suas roupas, o falatório e demais
novidades.
Naqueles tempos de estradas ruins, quando
mal se podia contar com um precário serviço telefônico e cartas demoravam uma
vida para chegar, o tumulto do trenzinho era o que havia para sintonizar o povo
com o mundo distante e principalmente a criançada, sempre ligada em novidades. Esta
sim, gostava mais ainda da barulheira, do vai vem das caras diferentes, das
gorjetas para carregar bagagens, da alegria dos pensionistas à espera do vagão
pagador, dos embrulhos coloridos nos tempos do natal, das novas máquinas para
as fábricas de tecidos, dos carregadores fortes que levantavam dois sacos de
farinha de uma vez e ficavam branquinhos como o Fantasma Gasparzinho. Certa vez
um deles ganhou o apelido de “gatão”, porque, segundo informação nunca
confirmada, teria comido um rato na estação, a fim de ganhar como recompensa um
copo de pinga da boa. O show não ficava apenas por conta da imagem assustadora
do gigante Ambrósio comedor de ratos, mas também da pompa do desfile dos
melhores carros da cidade, dos senhores e seus ternos impecáveis à procura do
jornal com notícias da capital e do charme das viúvas e solteironas
esperançosas dum encontro sonhado com certo príncipe encantado, que pudesse
apear do trem pronto e disposto a assumir compromisso sério, pois todas sabiam
como ninguém cozinhar, costurar, bordar, lavar e passar. Outras qualidades se
tinham, não sei informar...
Mas como nada na vida é só alegria, certo
dia, quando lá vinha o trem bufando que nem boi bravo, um mais apressado
resolveu atravessar seu caminho num carrinho que falhava mais que foguete na
chuva e o trem lhe partiu ao meio, jogou-o há cem metros de distancia sem dó
nem piedade matando todos que só queriam chegar a tempo na estação. Aí foi
choradeira pra todo lado, prejuízo material, prejuízo social e tristeza que
durou pra mais de ano. E por que teria acontecido aquela tragédia, por que o
trem não parou, por que passaram em seu caminho? Perguntas e mais perguntas
seguidas de poucas respostas. Os mais conformados diziam que foi pura
fatalidade a morte do compadre Teodoro, pessoa querida e toda a sua familiagem.
Infelizmente a paz dos tempos de criança
duraria pouco, pois o que ninguém poderia imaginar é que em poucas décadas o
mundo e o Brasil passariam por uma avalanche desenvolvimentista e em pouco mais
de quarenta anos teríamos computadores, internet, televisores alta definição,
aviões super-rápidos e juntamente com tudo isso uma vida cheia de tribulação,
compromissos, competição, muita corrupção, frustração, depressão e medo do
futuro incerto.
O trenzinho e sua festança ficaram lá no
passado, foram para o museu do fundo das queridas lembranças; de tão especial
lhe deram o carinhoso nome de “Maria Fumaça”. O senhor Gatão certamente morreu
de congestão, as senhoras viúvas e solteironas foram felizes para sempre, a
cidade cresceu e virou uma confusão, eu rodei mundo e vim parar em São Vicente de Minas,
mas aprendi muitas lições. Uma delas é que a estrada da vida é cheia de
encruzilhadas, tão perigosas quanto aquela da Maria Fumaça espatifando o velho
Teodoro.
Do alto dessas boas lembranças, de muito
mais idade e apoiado em larga experiência me ponho a admirar o passo da vida em
condições de explicar parte do tanto sofrimento das pessoas. Pagam caro porque vivem distraidamente. Não param, não
olham, não escutam! Caminham para o perigo como Teodoro ao encontro do trem. Por
isso aqui vai o grito de alerta: ACORDEM! Prestem máxima atenção que lá vem o
trem da eleição esperto que nem um cão, carregado de fantasias, sonhos, cores,
música, promessas impossíveis e homens e mulheres muito espertos! Abram os
olhos com os políticos profissionais que passam a vida inteira à custa do povão,
sua suada contribuição e inocente distração! Cuide-se para não se comportar
como o senhor Gatão comedor de ratos em troca de nada! Esse trem não traz
homens e mulheres encantados capazes de transformar sofrimento em felicidade;
na sua maioria transporta lobos vestidos de cordeiros.
Vá ao trem da eleição com bastante calma e
atenção. Antes pare, escute bem, olhe para a história da sua vida, faça boas
análises das propostas e promessas, despreze a festança, o foguetório, a
barulheira, seus príncipes encantados, a tanta fumaça negra ou branca, não
importa, porque ela pode cegar e impedir sua capacidade de enxergar o perigo.
Quando você vota, esta confiando os tesouros
da sua vida aos cuidados de outros. Você emprestaria dinheiro a alguém
desconhecido, que não tenha boa conduta e vive de maneira suja? Não se esqueça
que dia de eleição não é dia de festa, nem bandeirinhas, mas de seriedade, de reflexão
e seu voto é uma preciosidade de muito valor. Não o troque ou venda por
tijolos, telhas, passagens, caronas, consultas, cerveja, favores baratos, dentaduras,
tapinhas nas costas e falsas promessas; porque estará procedendo como o comedor
de ratos. O político que compra sua confiança depois compensara as despesas na
calada da noite, assaltando os cofres públicos, fazendo negociatas, super-faturando
serviços e materiais.
Outra coisa de grande importância que você
deve prestar muita atenção é com o CANDIDATO BIÔNICO. Sabe o que significa
isso? O CANDIDATO JÁ GANHOU, porque conta com o apoio da máquina administrativa
e seu grupo controlador. Conheça bem esse grupo. Não se esqueça que quem deixa
o poder não apita mais nada e nem sempre as cabeças pensam igual. Cuidado que o
candidato biônico poderá ser pior do que a encomenda. Fuja da FICHA SUJA e desconfie
do RISADINHA, o super-simpático, que vive sorrindo mesmo sem graça nenhuma.
Não condene sua cidade a quatro anos de
atraso, pois o reflexo negativo poderá ser de vinte ou mais e você entrará para
a história como Teodoro morto na encruzilhada debaixo do trem da alegria lotado
de políticos realizados e muito felizes morrendo de rir de você. Aí não
adiantará se lamentar, porque, como diziam nossas queridas vovozinhas: - dor de
arrependimento cura na cama que é lugar quente.