No meu tempo de menino, as novelas já faziam sucesso. Houve uma, cujo nome era Antônio Maria. Tratava-se da história do português Antônio Maria d'Alencastro Figueiroa, cidadão rico e eclético de família tradicional portuguesa, que veio para o Brasil fugindo da paixão avassaladora e proibida pela senhora Amália. Por aqui, para defender-se arranjou emprego de motorista de uma família abastada e ao mesmo tempo em que era paquerado pela "patricinha" filha do patrão, era também zombeteado pelo seu irmão e primo.
Esse drama de enredo pobre fez tanto sucesso que alterou a rotina do país. Cinemas mudaram o horário e até o trânsito nas grandes cidades ficava mais calmo, pois as pessoas faziam multidão defronte às lojas de televisores ligados. Compromissos só aconteciam antes ou depois da novela e os pontos de ônibus ficavam vazios das sete às oito da noite, o horário nobre daquela época.
Hoje, após tantos anos, o fenômeno se repete. Desta vez o sucesso é do senhor Mensalão do Jornal Nacional. – A que horas você vai? – Depois do jornal. Não posso perder a emocionante declaração da mulher do Marcão. E assim vai. Todo dia é uma novidade. O carrão do Silvio Pereira, o malão de dinheiro da Universal, o empregão da mulher do Zé Dirceu. Só falta mostrarem o sapatão da Denise Frossar.
Incrível esse Brasil! Impressionante como Deus primou na sua fabricação! Não poderíamos ter outro idioma a não ser o português. Língua pródiga essa. Se quisermos ser pejorativos, basta aplicarmos o aumentativo. Imagine mensalão em espanhol – mensalon – ou em inglês – big money – não tinha graça nenhuma.
Mais intrigante, no entanto, é que usamos esse aumentativo grandão para adjetivar o desonesto, o safado, o miserável, o feioso. Por exemplo, se o Ricardo tiver uma mulher só, ele é apenas Ricardo, mas se tiver mais de uma fica logo afamado como Ricardão o bão. Aquela sopa aguada que os pobres ganham uma vez por dia com umas cento e cinqüenta calorias, no máximo, é o sopão. Lembram-se daquele dinheirinho vagabundo, que não valia nada, o tal de barão? Temos ainda o bundão que pode significar muita coisa. Ser medroso, vagaroso, honesto, ter uma mulher só ou apenas ser um motorista cuidadoso, respeitador da sinalização pode lhe valer esse palavrão.
Inteligente esse tal de Roberto Jefferson. Quando ele era gordão podíamos chamá-lo Robertão ou, mais intimamente, bolão. Mas, e agora que ficou magro, será apenas Robertinho? Claro que não, pois teve o grande mérito de introduzir esse termo “mensalão” para denominar o mesadão dos picaretas. Tem que merecer coisa mais significativa. Imagine um cara tão esperto e desaforado com um nominho desse, sem impacto! Mas, inteligência por inteligência, fico com a minha e antes que alguém introduza a mulher dedão, introduzo eu; assim um dia talvez me transformem no Klebão. Mulher dedão são essas ex-mulheres e ex-secretárias dedos duros que ficam por aí batendo com o lingão nos dentes.
Caso seja um ricão safadão e tenha um dinheirão para transportar lembre-se de reforçar o cuecão. Para testá-lo, antes solte um punzão. E se você for chato, pobre, roncar muito, tiver chulé, for burro; cuidado, pois poderão transformá-lo no cuzão. Isso é que é o pior! Um órgão tão importante ser assim, achincalhado, sendo usado para denominar quem não merece a menor consideração.
Em negão não vamos nem tocar, porque depois que criminalizaram o termo ficou perigoso. Em compensação, temos o brancão do pefelão, aquele branco azedo do PFL, o tal de Jorjão Bornhausen, que na época do Fernandão era a favor de tudo e que, agora, na época do Lulão, é contra tudo.
Novos tempos, velhos costumes. Enquanto o episódio diário do novelão das oito apresenta seus capítulos inéditos e o povão bundão aprende votar, se é que aprenderá; a única coisa certa é que a fermentação lingüística continuará interminavelmente embelezando e enriquecendo nossa língua pátria. Quanto a mim? Só assumo compromisso depois do Jornal Nacional. Já sei votar, mas não dispenso um adrenalinão.
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