O homem, como tudo na natureza, foi concebido com inúmeras funções predeterminadas na mecânica das leis que governam o universo e unicamente a ele foi permitida a capacidade de auto governar-se; obviamente no sentido da livre escolha do seu próprio destino. Isso significa ser livre por natureza, todavia em vista da sua característica grupal e da limitação do espaço físico diante do adensamento das populações humanas ao longo dos séculos, fez-se necessário que se instituíssem leis que regulassem a convivência. Desde então os indivíduos passaram a ter restringida sua liberdade em favor dos direitos dos outros. A isso, basicamente, chamamos organização social. Diante das regras sociais, as liberdades individuais dividiram-se em duas instâncias: primeiramente o que poderíamos considerar estado de liberdade intangível e em segundo lugar o de liberdade tangível. A primeira situação é aquela que comporta o conjunto das liberdades naturais: liberdade de credo, de gerar filhos, de ir e vir, de expressar-se, de se relacionar, de amar, de odiar, de analisar e compreender os segredos naturais, enfim; de viver. Por outro lado as liberdades tangíveis são exatamente aquelas relacionadas ao convívio social, as quais só podem e devem existir em coexistência compensativa com deveres e obrigações. Por exemplo: liberdade de aquisição e de possuir, de produzir, de se expressar politicamente, de trabalhar, de explorar recursos naturais, de se enriquecer, de consumir, etc. Mas, à medida que as comunidades se agigantaram e ficaram mais complexas, houve cada vez maior necessidade de regulamentações e sempre em detrimento das liberdades tangíveis. Nessas condições surgem os poderes estatais como elementos normatizadores e fiscalizadores mesmo em si tratando dum Estado democrático ou, em outras palavras: o Estado dos deveres para se terem direitos. Ai sim, direito de ser livre com responsabilidade num Estado de direito. Diante de tal argumento a qualificação “homens livres” é utópica e deve ceder lugar a outra muito mais lúcida e real: homens direitos para serem livres. Na seqüência a própria lógica nos leva a concluir que as liberdades humanas, numa condição de convivência pacífica, justa e equilibrada; ganham mais um status: liberdade por merecimento.
Contudo, a humanidade, desde os seus primórdios, sofre com a chaga da tirania, mal cuja essência tem raízes profundas nas idiossincrasias do próprio ser humano e mesmo com o passar dos séculos e o aprimoramento civilizatório a maioria dos homens, quando revestida de poder, ignora o estado de direito pela imposição de interesses pessoais de cunho neurastênico, megalomaníaco ou excêntrico; desta feita roubando dos cidadãos o inerente direito às liberdades individuais. O Brasil tem sofrido penosamente desse mal em vista da epidemia de desonestidade que o assola. Por aqui, há vinte e três anos, foram-se os tiranos políticos, mas permaneceram outros: os corruptos e seus aliciadores.
A sociedade brasileira debate-se contra esse câncer de difícil configuração, comprovação e cura; que, além de denegrir sua imagem perante o mundo, implanta a injustiça, a insegurança, o atraso econômico e tecnológico e ainda lhe prejudica a sedimentação da cultura cívica por semear a sensação de que vive-se numa terra sem lei, onde tudo pode, porque as atenuantes são mais fortes que o próprio escopo da lei. A cada dia nossos tiranos engravatados ou não, nos tiram o sossego, nos roubam a paz, a dignidade e a confiança na proteção das instituições que existem exatamente para nos salvaguardar garantindo a esperança num futuro promissor. Diante desse dinâmico e mimético círculo do mal o último alento é o PODER JUDICIÁRIO, que tudo pode; desde que trafegue dentro dos trâmites estabelecidos pela lei, muitas das vezes ultrapassada, inadequada e estática perante a velocidade de ação e da alta capacidade de mutação dos agentes contraventores, o que a prove de lentidão paquidérmica confrontada à destreza de um pássaro.
Em vários países socialmente mais desenvolvidos que o Brasil, obviamente há também essa discrepância, mas, na Grã-Bretanha, por exemplo, a lei no intuito de ganhar maior agilidade e velocidade de reação autoriza que julgadores valham-se de quatro ferramentas infalíveis: historicidade comportamental da sociedade ou o que poderíamos também considerar como “normas dos bons costumes” e tudo ou todos que atentem contra esse “stablishement” são previamente vistos com maus olhos. Além disso, conta-se com a experiência jurídico-profissional dos julgadores, sua idoneidade moral e ética, sem jamais desconsiderar a vida pregressa do suspeito ou acusado. E finalmente, deve prevalecer o interesse da maioria. Em suma: um conjunto de valores que delineiem a face do bom senso sempre de braços dados com a necessidade e o ato de se aplicar a lei.
Na contramão disso, o Brasil, país que aparentemente vem sofrendo do que em outras oportunidades já considerei como ressaca do autoritarismo esse fenômeno cujos sintomas observam-se na excessiva permissividade e tolerância em todos os aspectos da vida social, algo facilmente detectável pela disseminação da cultura ao gozo de direitos sem a devida contrapartida em deveres e obrigações. Nas escolas, no convívio familiar, nos parlamentos, na imprensa, na administração pública, no trabalho, no clube, nas ruas; as pessoas estão se esquecendo ou aparentam nunca ter ouvido falar no salutar respeito ao outro.
Até que diante da polêmica das candidaturas suspeitas, que comprovadamente já deixaram seu rastro de dilapidação dos cofres públicos, a corte superior brasileira deixou de acatar a previdente “presunção da precaução” e manteve-se fiel e alinhada à confortável e arriscada “presunção da inocência”. Inocência dos responsáveis pelo desastre nacional, que há anos mantém o país na retaguarda do ranking dos mais eficientes e justos com seu povo. Lavou as mãos passando adiante o imbróglio, se esquecendo da presunção da boa fé da maioria simplória que não sabe votar com isenção por estar secularmente abandonada à própria sorte pelo Estado leniente que nunca cumpriu com rigor o direito constitucional que ordena “educação de qualidade para todos”, pois “todos devem ter trato igual perante a lei”.
Se esse foi o estado democrático que sonhamos, viva a democracia brasileira! Se não, pêsames para nós, pois continuaremos reféns da libertinagem instalada, de desordeiros de toda ordem e demais tiranos profissionais por muito tempo.
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