Futebol arte, leve, bailado, jogado com astúcia, leveza, malandragem de moleque da várzea de pés descalços, sorriso espontâneo, camiseta larga, conclamando o adversário a partir prá cima. Futebol de samba e batucada, de tardes ensolaradas e noites engalanadas em foguetório, fumaceira, cheiro de pipoca, cachorro quente, churrasquinho de gato e cerveja. Torcedor prá lá, torcedor prá cá. Milhares de carros para estacionar. Bilheteria cheia, gritaria, provocação, risco de pancadaria. Cuidado com a polícia! Vamos rápido! A partida vai começar! Cada qual procurando seu melhor lugar, na torcida do coração. Eh! Lá vem a ôla! Levanta rápido! Pronto passou! Lá vem a próxima!
Pelo país afora, rádios e televisores sintonizados. Ouvidos e olhos atentos. Comentaristas treinados para passar a mais fiel realidade do espetáculo. O relógio marca: 16hs! Em cima da hora! Apito inicial, mais uma ôla, e outra, e mais outra. O árbitro autoriza. Cidades e cidades de botequins lotados esperando pelo gol, que demora sair. De repente, numa distração do zagueiro, olha lá, olha lá, olha lá! Goooooaaaaal ! Atacante genial num drible fenomenal goleiro para um lado, bola prá outro. Vai buscar lá dentro!... Tem peixe na rede!... Um absurdo, juiz ladrão, não viu o impedimento! O bandeira estava dormindo! O relógio marca!... E assim fomos criados introgetando invontariamente a cultura do futebol inocente, belo, maravilhoso, brasileiro, penta campeão do mundo.
Futebol! Esporte encantador, a cada dia mais vibrante, colorido, rico e glamouroso, que com tanto orgulho, não só faz parte da história do Brasil, como também da história da vida de cada um de nós brasileiros, pelas gloriosas lembranças do passado, pela habilidade de tantos ídolos que com sua técnica inigualável lustraram o ego nacional como também pela profusão de alegria ou tristeza que a cada semana enche nossos olhos e corações embalados nas vitórias e derrotas que podem classificar excluir ou rebaixar. Seara de particularidades que vão muito além da ribalta dos grandes estádios, lotados de torcedores uniformizados, dançando e pulando no ritmo frenético das charangas, eufóricos, eletrizados, sincronizados em coreografias e folguedos.
Tristes particularidades que trafegam na contra mão da paixão nacional. Lentamente estamos perdendo a hegemonia. Deixaremos de ser o maior dos maiores, caso a Itália tetra campeã suba ao podium na próxima copa. Isso porque perdemos em menos de dez anos a oportunidade de ser heptacampeão. Culpa dos cartolas endinheirados e das multinacionais que jogam nos bastidores um jogo bem menos colorido, mas muito mais eficiente em fazer gols na rede das contas bancárias. O jogo do toma lá, dá cá. Culpa dos nossos clubes que se transformaram em exportadores de novos talentos a fim de ganhar mais e mais dinheiro e se esqueceram que o alimento da paixão são as vitórias, pois é através delas que o torcedor lava sua alma, na maioria das vezes humilhada pela pobreza, pela ignorância, pelo desemprego, pela desesperança, pela falta de opção de outros tipos de lazer. Culpa dos estrelas multimilionários que não precisam mais se esforçar na finalização de jogadas, que em velhas épocas eram imperdíveis. Culpa da nossa impressa que noticia, mas não esclarece, não conscientiza. Culpa das leis tributárias que, por um lado, privilegiam os grandes clubes e, por outro, super tributam os grandes salários, muito acima da média mundial. Culpa do governo que com seu Ministério da Educação e do Desporto ainda não descobriu que futebol, no Brasil, é folclore e, em assim sendo, é cultura; faz parte da educação do seu povo.
Culpa, talvez ainda, da nossa falta de memória, quando assimilamos o futebol mecânico dos brutamontes malhados e super vitaminados, em detrimento do futebol arte, que tanto encantou e colocou o Brasil no topo do pedestal. Ao abandoná-lo estamos nos colocando no lugar comum e nos igualando aos demais. Para ser hegemônico é preciso ser diferente. Ter algo mais. Se o perdemos, deixamos de ter graça.
Estamos tão influenciados pela nova idéia que até admitimos discutir se Pelé, o atleta do século, teria mesmo sido ele, hoje. Asneira maior que essa seria colocar em dúvida a genialidade poética de Carlos Drumond ou a sensibilidade artístico-musical de Antônio Calos Jobim no mundo moderno globalizado e tecnológico. Obviamente seriam muito melhores.
O absurdo chega a ser colossal, quando vemos a Vale do Rio Doce, um orgulho dos brasileiros, levar ao ar uma propaganda onde associa sua imagem de brasilidade aos grandes que nossa terra já produziu e se esquece de Pelé. Ora, lembraram do Garrincha, indiscutivelmente um ases que rapidamente se auto destruiu e não teve o tempo de Pelé, nem a postura cidadã e nem a ética desportiva inerentes ao super-atleta; para se elevar a sua magnitude. Pelé, além de tudo, é um homem, que nunca deixou a fama lhe subir nem à língua, nem aos punhos. Pelo contrário, sempre soube usá-la para enlevar o Brasil e o povo brasileiro por onde quer que tenha andado. Parabéns Pelé e parabéns à CBF que está lhe dando o lugar que merece na organização da Copa do Mundo de 2014. A copa do Brasil. Àquela época, Pelé será um septuagenário e do alto da sua respeitabilidade fará, talvez pela última vez, o mundo reverenciá-lo, enquanto que os invejosos de plantão estarão apenas destilando suas dores de cotovelo.
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