Caro Senador Valter Pereira!
Na condição de cidadão eternamente preocupado com esse Brasil que tanto amamos e queremos ver melhor a cada dia, procuro manter-me informado e, graças à democracia, hoje temos acesso às preciosas vias de informação TV SENADO E TV CÂMARA. Acredito que para vós políticos haja certa perda de privacidade, mas há que se admitir que quanto maior for a intimidade do cidadão com os poderes do seu estado, mais preparado estará para o exercício da plena cidadania. Isso é exercício educacional e dos melhores.
Há dias, mais precisamente na madrugada do dia 8/02, assisti a um pronunciamento de V. Exa. em cujo tema abordara o uso excessivo de medidas provisórias. Gostei do vosso posicionamento e das observações precisas demonstrando alto grau de conscientização político-democrática e compartilho da vossa indignação diante do inaceitável despropósito. Afinal de contas de que serve toda a parafernália legislativa diante de instrumento capaz de anulá-la pela simples chancela do chefe do executivo, muitas das vezes agindo sob pressão de poderosos interesseiros ou mesmo imbuído por arroubos de vaidades e caprichos pessoais.
Mas, caro senador, infelizmente, à medida que amadurecemos também descobrimos que as convicções humanas são tão efêmeras quanto as nuvens e que o estado de poder pode acelerar tal metamorfose em níveis ainda mais imprevisíveis. Essa realidade é frustrante para o eleitor, ao comprovar que seu candidato, quando revestido da autoridade que lhe delegou, passa a se comportar de forma exatamente contrária à que este anteriormente defendia. Vejamos o caso mais peculiar do presente momento: o do nosso presidente. Quem poderia imaginar Lula contumaz usuário desse instrumento de retardo democrático? Aliás, o Lula de hoje transformou-se num fantoche sem convicções. O poder o confundiu. Quem diria que outros presidentes mais cultos, com tanta ou mais experiência parlamentar e legislativa disporiam sem escrúpulos dessa ferramenta? Lamentavelmente ninguém nunca deixou de usá-la ou trabalhou para aboli-la. E o pior é que a usam em nome da governabilidade, pois se assim não o fizerem o país pára. Mas por culpa de quem?
Diante desse e de tantos outros anacronismos sobrevivemos nós povo e certamente políticos como V. Exa., que não estejam revestidos da responsabilidade da governança. Contudo, caro senador, ainda continuo vos perguntando: se estamos diante de uma aberração legal, por que não adequá-la de maneira a frear a sanha dos presidentes e de acelerar as apreciações do congresso em casos de comprovada urgência. Na esteira de tantos por quês há apenas uma resposta: nada pode merecer mais urgência diante da miríade de interesses pessoais negociados e exigidos pelos lobistas de plantão. Partidos mais partidos, interesses mais interesses. Esse é o combustível do círculo vicioso. Enquanto isso o presidente assina e todos engolem.
Acho caro senador, que a raiz dessa problemática paira mais profunda, muito além dos níveis das considerações tecidas por V. Exa. naquele vosso pronunciamento acima referido. Está plantada no pluripartidarismo. Esse é o preço que se paga no estado pluripartidarista. Ele é assim mesmo: muito democrático e muito ineficiente; muito moderno e muito lento.
Acredito que o sistema foi útil logo nos primeiros anos da democratização, quando ainda a nação estava traumatizada com os desmandos do estado repressivo e os ânimos ideológicos estavam exaltados. Entretanto no estágio de amadurecimento democrático vivenciado hoje tal fragmentação ideológica nada mais é que uma cortina de fumaça para acoitar interesses escusos. Qual das grandes nações do mundo alcançou sucesso nessas condições? Há casos em que a verdade não é relativa, pelo contrário; é igual para todos. Além disso, a sociedade brasileira tem uma peculiaridade sui-generis. Temos uma vocação cultural para a malandragem. Ao mesmo tempo em que se esconde a chave, coloca-se o cofre na sala. Em vista disso, acredito estar muito longínquo o dia em que o parlamento brasileiro esteja preparado para fazer uma catarse de si próprio, com plena isenção, a fim de transformar a procissão partidária em algo mais funcional, útil, produtivo e eficiente.
V. Exa. sabe melhor que ninguém que nesse sistema o presidente e a governabilidade são reféns permanentes dos políticos e de seus partidos. Assim não há consenso; mas arranjos, negociatas, jogos de empurra. Foi assim com Sarney que queria ser presidente mais um ano, com Itamar que precisava acabar com a inflação e criar nova moeda, com Collor de Mello para se livrar do impeachment, com FHC para governar mais quatro anos e agora com Lula para tudo. Fora os pacotes, planos, maxidesvalorizações, empréstimos jumbo. Ainda bem que nunca fomos atacados por ninguém.
E o Brasil senador?! E os interesses do povo?! Isso não é democracia, talvez apenas seja hemorragia.
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