Desde que a evolução completou seu trabalho e introduziu este macaco ereto e pensante chamado homem, ele usa da sua superioridade para dominar tudo que o cerca. A saga humana pela sub-existência é árdua e no intuito de facilitar sua vida o homem observa o comportamento da natureza e, à medida que a conhece, cria engenhos capazes de organizar forças aleatórias as canalizando e as dirigindo para determinados fins específicos.
Algumas espécies de animais foram a primeira força utilizada pelo homem, a princípio, servindo de alimento e indiretamente de abrigo, quando doavam seu couro para moradias e vestuário. Depois, pelas suas características, passaram a ser utilizados como meio de transporte, de segurança e até de entretenimento.
Mas essa aparente paz pode estar ameaçada. E não sou eu o primeiro a pensar nessa perigosa hipótese. Há alguns anos atrás um desses hollywoodianos de plantão criou a famosa série “Planeta dos Macacos”. Uma intrigante ficção em que uma espécie de macaco se revolta contra os humanos, se rebela e passa a fazer conosco o que sempre fizemos com eles. Imagine um humano preso numa jaula e do lado de fora uma porção de macacos o observando, rindo, fazendo gracinhas e o prisioneiro arremessando excremento pra fora. É isso mesmo que acontece. Uma bobagem? Talvez nem tanto! O autor com essa cena, com certeza, quis chamar atenção para o desrespeito com os animais. Como na maioria das vezes não conseguimos nos condoer da dor alheia, talvez assim, tão didaticamente, pudéssemos entender que manter um animal preso, pura e simplesmente para exibição, é um capricho absurdo.
Mas a verdade é que tenho observado algo estranho com os cães. Basta chegar a madrugada e eles começam aquela infernal matinada. Um late de cá, outro responde de lá. Um mais perto outro mais longe ainda. Latido grosso, latido fino, latido rápido, latido lento. De repente tudo para. Silêncio absoluto. Graças a Deus, agora posso dormir, penso! E aí, de repente, como num ligar de botão, começam tudo outra vez. Mais quinze minutos de latumia na cabeça do pobre que tem que levantar cedo para trabalhar. E tome latido a uma, as duas, as três. De repente, dia amanhecendo e tudo cessa. Ricos cãezinhos de estimação devem dormir um sono diurno e alentador, pois ninguém é de ferro. De ferro apenas eu e sei lá mais quem!
Aos sábados, domingos e feriados, depois de uma noitada com amigos e de uma semana inteira madrugando é sempre bom fazer uma madorna matutina até lá pelas nove.
Aí, minha vizinha sisuda, que parece estar de mal com o mundo, pontual que nem ela só, prende seu vira latas as sete da matina. O bichinho protesta com latido fino e contínuo que mais parece um sapo martelo. Uau! Uau! Uau! E a vizinha se vinga do mundo com seu cãozinho de estimação!
Já pensei em ir à forra. Comprar um cachorrinho, dois, uma matilha inteira. Toda madrugada, quando começar o diálogo canino, ponho os meus em ação. Já pensei em gravar uivos e latidos e reproduzi-los num som bem potente só para abafar e ver se os cachorros homens controlam seus cachorros cachorros. Outra opção seria sair por aí dando uma de exterminador de cachorro. Mas isso não seria politicamente correto. Coitadinhos dos animaizinhos! Talvez eliminar proprietários de cães barulhentos fosse mais justo. Como é que eles conseguem dormir ou pelos menos não se importar com os apelos dos fieis amigos. Devem ser surdos mesmo, ou, no mínimo, masoquistas. Outro dia, num arroubo de loucura, passei numa esquina e numa sombra de varanda bem fresquinha e enceradinha, debaixo de uma buqueville, tinha um desses animaizinhos barulhentos dormindo que era uma beleza. Aí logo me veio aquele pensamento diabólico de vingança. Vou acordá-lo pra ele ver como é bom! Como não tinha nada nas mãos que pudesse alvejá-lo me pus a latir que nem um danado. Lati grosso, fino, lento, rápido, uivei que nem lobo. E ele bulufas pra mim! Aí me dei conta do que estava fazendo e fui embora. Já pensou se de repente, passa a carrocinha, aquela de recolher cachorro vadio. Íamos ter outra versão daquele filme, só que dessa vez o título seria outro: Planeta dos cachorros homens, porque ao contrário já é esse mesmo o mundo em que sobrevivemos: o dos homens cachorros.
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