Apenas dentre os muros da escola, onde os discursos fantasiosos dos administradores públicos não fazem nenhum eco e a realidade exibe-se nua e crua é que se pode ter a verdadeira noção do triste enredo que se desenrola por detrás dos bastidores. Nesta realidade cinzenta o sistema educacional brasileiro aparece inapto e incipiente. De um lado a escola vitimada pela desestruturação dos seus atores: estado, família, professor e aluno. O primeiro, desorganizado, sem recursos e exacerbado com problemas econômicos e políticos. O segundo massacrado pelo desemprego e pelo eterno achatamento salarial. Mães obrigadas a trabalhar fora, em expediente integral e com mercado cada vez mais competitivo o pai tem cada vez menos tempo para se dedicar à família. As crianças assim, não tendo com quem ficar em casa, estão sendo praticamente, quando não abandonadas nas ruas, adotadas pela escola ainda em tempo de educação familiar. Muitas ainda não têm o amadurecimento suficiente para receber a educação formal à qual a escola se destina. O terceiro comportando professores mal pagos, desmotivados e assoberbados com excessiva carga horária. Com a baixa remuneração que atinge a totalidade do ensino público do país o corpo docente não tem condições financeiras nem estímulo para investir em reciclagem pessoal. Não é a toa que a dificuldade de lidar com os alunos tem aumentado. O despreparo dos professores os torna receosos no trato com as novas tecnologias gerando obstáculos intransponíveis para que os alunos experimentem o ato de aprender com prazer. Isto gera desinteresse do aprendiz, baixa produtividade na sala de aula e freqüentes atritos. O quarto, composto por alunos carentes do convívio familiar, estigmatizados pela falta de educação básica e portadores precoces de sérias anomalias na formação da sua personalidade. A escola transformou-se num ambiente doentio, uma espécie de purgatório, desajustada e sem condições de preparar gerações conscientes e capazes para o pleno exercício da cidadania. Neste ambiente ninguém tem o prazer de estar, pois os indivíduos, tanto professores, quanto alunos estão sôfregos e traumatizados. Assim descaracterizam a escola roubando-lhe a condição de centro de aprendizagem e pólo aspersor de valores éticos, morais e culturais a serviço da formação de um tecido social sadio e transformam-na numa arena ocupada por alunos nervosos, passionais, armados, drogados, carentes, indispostos a aprender. Invariavelmente esta escola agoniza em instalações mal conservadas, inadequadas à finalidade a que se prestam, sem equipamentos de apoio tais como computadores, biblioteca, laboratório, complexo poliesportivo e demais dispositivos que a adequem aos padrões técnicos e competitivos com os quais seus alunos devem se familiarizar obrigatoriamente no mundo moderno.
Por outro lado a escola privada que surge como cura para tantos males, talvez até assim o fosse, caso não funcionasse como importante incremento do sectarismo social. O empresário da educação não se sente compromissado com o bem estar social. Pelo contrário, seu vislumbre é o lucro opulento e rápido. Sua escola é uma empresa e seu público alvo logicamente, não são aqueles jovens que precisam se educar, mas os que podem pagar bem. A educação, neste caso, perde a característica de direito constitucional e ganha o status de privilégio neoliberal. Escolas caras e de boa qualidade que se prestam à velha ética da exclusão e do aprofundamento da desigualdade. É o compromisso social cedendo lugar ao compromisso individual. Sua meta central é apenas o sucesso a qualquer preço, perpetuado, jamais compartilhado. Esse, talvez seja o mais mortal golpe do neoliberalismo globalizado: a mercantilização da educação minando os alicerces da sociedade pretensamente democrática. Nesse sistema não predomina o interesse por preparar cidadãos conscientes e participativos, mas prevalece o aprofundamento da ideologia neoliberal da desigualdade social, do desemprego em larga escala e dos baixos salários em prol da expansão do capital e da estabilidade da economia.
Em verdade o aluno pobre tem consciência de que sua escola é ruim e que jamais o preparará para ascender socialmente. Está fadado a ser um cidadão de segunda classe e terá dois caminhos a escolher: a marginalidade ou a subserviência. O rico, por sua vez, estará se preparando numa excelente escola que o transformará num cidadão convencido da sua condição de superioridade, para mandar e perpetuar o feudalismo neoliberal e antidemocrático.
Os índices estatísticos educacionais positivos brasileiros vão conseguir enganar o mundo por algum tempo, mas o engodo será vergonhoso, porquanto as populações de jovens despreparados não preencherem as expectativas dos investidores industriais ávidos por mão de obra altamente qualificada. Os governantes sabem que a qualidade da mão de obra de um país é fator atrativo quando as empresas decidem onde investir seus recursos, mas mesmo assim ainda preferem gastar o precioso tempo com expectativas vazias e panacéias verbais tais como “o Brasil é um país do futuro” ou “o Brasil é a segunda maior democracia do ocidente”. Classificam-no assim pela sua grande população, não pela qualidade do regime democrático vigente. Talvez, seja devido à natural tendência de se considerar livre quem possa se expressar com liberdade. Neste aspecto realmente o Brasil desenvolveu muito com honras especiais à impressa tecnicamente desenvolvida, politizada, consciente e profissional. Mas a verdadeira liberdade de um povo esta também intrinsecamente relacionada a outros valores tão nobres quanto aquele. De nada adianta uma imprensa pujante quando seus apelos e denúncias não podem fazer eco num meio social incapaz de compreender por absoluta inapetência cultural e material. A imprensa livre somente alcançará seu verdadeiro feedback, quando a sociedade bem informada for capaz de reagir aos malefícios que a acercam com cidadãos imunes à manipulação. Como e quando isso acontecerá plenamente com a qualidade dos cidadãos que nossas escolas são capazes de formar? Estas pessoas são parcialmente livres pela sua incapacidade de julgar e conseqüentemente de reivindicar maior equidade social.
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