O sujeito que se mete a escrever no jornal, como no meu caso, talvez tenha mesmo um parafuso de menos, pois o ato de escrever é um tanto dúbio, conquanto dê prazer e sofrimento ao mesmo tempo. Algo comparado mesmo a um parto. Você é impelido a colocar prá fora, a espurgar a dor da indignação com os absurdos que assolam nossa sociedade e logo num segundo momento se sente aliviado de ver sentimentos recônditos, na maioria das vezes abstratos, ganharem o papel se tornando acessíveis a outras pessoas, as informando e conscientizando para situações que, talvez nunca tenham se dado conta. Por outro lado, há também necessidade de que o narrador aplique o tom adequado ao texto, o qual poderá ser de ironia, de consternação, de tristeza, de alegria, de crítica séria ou parodiada, a fim de que o receptor receba a informação sem deformações de sentido, a fim de sintonizá-lo com o sentimento que o permeia no momento. Tudo, porém depende do seu estado de espírito. Hoje estou imaginativo.
Bom, agora, com o leitor sintonizado, posso explicar melhor esse estranho sentimento, abordando assunto que sempre me implicou sobremaneira: as epidemias. Por que essa coisa só acontece para o mal, trazendo dor, sofrimento, morte, medo e tanta correria? Epidemia de gripe, de dengue, de tuberculose, de febre amarela. Ora, ora, que falta de graça! Imaginem uma epidemia de honestidade, de dinheiro, de emprego, de vergonha na cara ou até mesmo de tesão. Essa então seria uma maravilha. Algo que merece análise mais profunda. Quanta felicidade encheria o coração das pessoas! Quantos velhinhos senis, tomados por aquela odiada e temida passividade física, voltariam a ser felizes novamente pela nova e súbita razão de viver. Orçamentos familiares seriam beneficiados pela supressão da despesa obrigatória com aquisição daqueles milagrosos e caros comprimidos. Casais e mais casais veriam sua relação melhorar pela simples razão do desaparecimento das súbitas dores de cabeça femininas, exatamente na hora da chegada do maridão em casa. Milhares de empregos seriam gerados, pois a demanda por preservativos de todos os tamanhos, cores e sabores; de preferência reforçados para agüentar o tranco, explodiria. Lubrificantes íntimos, lingeries, vibradores de todos os tamanhos, formas e marcas; sumiriam do mercado num átimo e o governo logo teria problemas no balanço de pagamentos com o aumento do volume das importações. Aquele velho problema dos pais que não conseguem conter seus adolescentes em casa se agravaria, porque agora também teriam que se preocupar com suas vovós e vovôs que invadem bares e boates e nunca têm hora para voltar. Imaginem a cena de alguém parado na porta da boate esperando a vovó sair aos beijos com seu ficante. E pior, o vôvô da sua namorada xavecando uma gatinha de fio dental no clube, com aquela “cara de vem cá meu bem” pedindo telefone e tudo. Que felicidade! Ninguém mais teria hipertensão, nem depressão. Osteoporose, artrite, e artrose nem pensar. Daí prá frente quem iria se ferrar seriam os especialistas nessas coisas com esses nomes horrorosos. Iriam para o camelódromo vender CD pirata. Psicólogo, psiquiatra e neurologista teriam que se mudar para os Estados Unidos ou para a Espanha como clandestinos. Quantas e quantas vovós de saco cheio com essa miséria no Brasil entrariam nessa de se prostituírem na Europa para ganhar em euro. Melhor do que ficar por aqui ganhando a micharia do SUS. Por outro lado, clínicas de estética multiplicariam o faturamento com implantes de cabelo, aplicação de botox e câmara de bronzeamento. Cirurgias plásticas entrariam definitivamente em moda com tantas vovós esticando as pelancas do corpo inteiro. Dentistas e protéticos poderiam até levar as crianças prá conhecer a Disney no Natal, pois estando novamente o beijo em ascensão ninguém quereria estar banguela. Advogados ficariam milionários pelo aumento das demandas contra aqueles vôvôs fujões que não se responsabilizariam pela gravidez indesejada das vovós sapecas. O bacilo bônus tesânios teria um dia especial em sua homenagem com feriado e tudo sem contar que cada cidade do Brasil iria inaugurar um monumento em sua homenagem com a inscrição que logo ficaria célebre no mundo inteiro: - este herói que nos salvou do imprestável pára-choque mole.
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