O destino reservou ao mês de março duas datas importantes para a história contemporânea do Brasil: quinze e trinta e um. Dia quinze comemorou-se os vinte anos do fim da exceção política imposta pelo regime militar com a passagem do governo central para os ombros de Tancredo, que falecera uma semana depois, porém tendo conseguido imbuir a mentalidade nacional do senso democrático que sempre permeou sua vida política.
Apesar do baixo índice de cobertura, ainda assim, pudemos assistir a parcas cerimônias comemorativas, dentre elas, talvez a mais importante, aquela transmitida pela TV Senado, quando aquele parlamento prestou homenagem a Tancredo e a Sarney, personagens centrais do episódio e, tangencialmente, a Wlisses Guimarães, guru máximo das “diretas já”. Justiças, injustiças, dramas e fatalidades à parte, a verdade é que o destino reservou a essas três personalidades o protagonismo dos fatos. E por isso mesmo, lá compareceram vários oradores de peso, a maioria deles testemunhas oculares, ratificando com a palavra, a memória e a emoção o jogo político de final feliz pelos vinte anos da democracia brasileira.
Depois veio trinta e um... Uma data que tão somente foi lembrada no recôndito dos quartéis, pois não é mais conveniente à sociedade brasileira a lembrança dos fatos, nem dos atos que compuseram o mosaico daquela revolução dos idos de sessenta e quatro. Qual terá sido a causa da ausência daqueles mesmos oradores, os quais enalteceram quinze de março, a maioria deles também personagens relevantes e até cúmplices dos governos militares subseqüentes; não terem posado suas caras de pau características diante das mesmas câmeras para, desta feita, elogiarem as ações dos generais? Posso apostar que é por simples conveniência, pois não é aconselhável a um bom político chafurdar em fatos que não rendam dividendos promocionais, ainda que tais fatos sejam páginas indestacáveis da história do Brasil e até mesmo das suas próprias histórias de vida.
É bom que os historiadores estejam atentos aos fatos, registrando-os com veracidade, imunes a opiniões pessoais e influências políticas em voga, a fim de que as gerações futuras possam contar com subsídios históricos confiáveis; ingredientes importantíssimos na orientação do destino e na formação da cultura político-social do país. Será pura irresponsabilidade deixar os registros históricos tão somente à mercê do caráter e dos interesses voláteis dos políticos. A revolução de sessenta e quatro é um fato importante, que teve repercussão profunda e determinante nos destinos da nacionalidade e como tal deve ser tratado, independentemente dos gostos ou desgostos que tenha impingido. História é radiografia do presente, de preferência, sem rabiscos e retoques para apreciação futura. Respeitar esse princípio, também é um exercício democrático do mais alto nível.
Certamente nossos políticos não frisariam em seus discursos que os acontecimentos que marcaram aquele período foram funestos para muitos, mas muito úteis ao desenvolvimento material e tecnológico do país, assim como a redemocratização tem sido de grande valia não só para o Brasil, como também para uma pequena parcela da sociedade, pois a esmagadora maioria goza de muita liberdade política, porém continua despreparada para administrá-la, pela ignorância. Continua cativa do desemprego, da violência, da falta de perspectivas futuras, do autoritarismo econômico e até da fome; com a desvantagem de que, naquele tempo, tínhamos os generais para imputar a culpa e agora simplesmente não existem culpados, pois a democracia tem a impar peculiaridade da santificação.
Diante de tais argumentos e no gozo do pleno direito à ilação filosófica, pois não sou historiador, tenho a convicção de que o maior mérito de sessenta e quatro resida na forte ação anticomunista. Não é difícil imaginar para onde teria caminhado o mundo se o Brasil com suas potencialidades tivesse sucumbido ao assédio soviético. O lábaro azul teria sido substituído pela foice e martelo e a polarização política mundial talvez tivesse se inclinado irreversivelmente para o eixo sino-soviético. Aí sim, era uma vez a tão sonhada democracia brasileira, que agora, graças a Deus, completa vinte anos e, ainda por cima, estaríamos saudosos dos nossos generais salvadores. Para quem não gosta de americanos, talvez fosse um belo desfecho.
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