Outro dia, na intenção de preencher uma tarde livre, procurei uma sala de cinema, cujo cartaz exibia exuberantemente o título: “Tropa de Elite”. Pensei cá com meus botões: - mais um show americano de violência para poluir mentes. Mas, por não ter outra opção, resolvi entrar assim mesmo e se não desse para suportar, pelo menos, uma boa soneca estaria garantida.
Qual foi minha surpresa ao ouvir português falado por atores brasileiros! À medida que a fita ia se desenrolando, grande foi o prazer em ver tamanha qualidade, não só tecnológica, pelo excelente colorido, sonorização perfeita, boa geração de imagens; como também pela exímia representação das personagens. Atores que não têm a ribalta hollywoodiana, mas que mesmo assim esbanjam tanta naturalidade que provocam dúvidas no espectador todo o tempo. Onde fica o limite entre a realidade e a ficção naquelas cenas em que a violência não consegue anuviar a arte de representar e, pelo contrário, até a engrandece?
Quanto ao tema o filme é apenas mesmice. Polícia e traficantes se enfrentando no cotidiano carioca de desmandos do banditismo, corrupção e desídia das autoridades, depredação do patrimônio público, massacre da juventude viciada à mercê da desorganização social brasileira além da contaminação psíquica dos homens da polícia.
Os cineastas brasileiros, infelizmente, demonstram preferência atávica por temas sócio-políticos. Não entenderam ainda que, apesar da utilidade das denúncias, o cinema é, além de arte, um lazer e como tal deve funcionar. Talvez seja pela facilidade temática diante da vasta oferta de situações críticas e inusitadas pelas quais passa a sociedade brasileira desde os tempos da ditadura militar, a tendência permanece. Quando vão entender que o mundo artístico moderno tende à alegria, à descontração, ao intrigante, ao suspense, à ficção científica, aos efeitos especiais colossais e que o Brasil é uma fábrica natural, que está a produzir temas diversos correlatos ao amor, ao drama, ao surreal, à comédia, ao rico folclore, ao sincretismo religioso, à miscigenação racial.
Essa lacuna na arte cinematográfica brasileira é gritante. Com certeza, estamos perdendo grandes oportunidades de ver nossos filmes no mais alto grau de classificação nas academias internacionais, tendo em vista que os temas batidos onde pobreza e subdesenvolvimento protagonizem o espetáculo sejam cansativos, assustem o eclético público internacional e contribuam sobremaneira para o turvamento da imagem do Brasil e do seu povo.
Se, pelo menos, as autoridades nos respeitassem, TROPA DE ELITE transformar-se-ia numa importante ferramenta didática para nossa juventude ou mesmo para os aspirantes a uma vaga nas academias de polícia. Dali podem-se extrair exemplos concretos dos perigos a ser enfrentados por aqueles que se aventurem ao uso, ao trafico ou a um posto de carreira nas forças estaduais, pouco valorizadas pela origem humilde dos seus componentes e muito assediadas pelo mundo do crime sempre à espreita dos indivíduos mais susceptíveis às tentações do dinheiro fácil.
Tratar de reforma nas instituições policiais brasileiras é um tabu que todos os governos temem pela importância estratégica e política de tais instituições. Ainda que estejam doentes jamais seriam dispensáveis e uma simples greve de policiais poderá transformar-se numa tragédia, colocando em risco não só a estabilidade do governo como também a já combalida ordem social.
Em vista da sensibilidade do sistema como então conhecer o funcionamento das negociatas, como agem os sub-reptícios negociadores e como depois tapar os buracos por onde trançam os sombras poderosos com seus dinheiros sujos e invisíveis? Impossível, sem um estudo profundo, sem ferir interesses arraigados, sem punição implacável, sem salários humanos e justos, sem equipes de substituição imediata com mãos e cabeças incólumes.
No bojo de tamanhas dúvidas e do reduzido número de incursões possíveis para respondê-las e solucioná-las, tem-se hoje, como opção, esse espetacular documentário com riqueza quase palpável de detalhes. Obviamente para se chegar àquela perfeição muito se conheceu sobre os trâmites daquela vergonhosa e triste realidade. Uma situação nauseabunda, conquanto exponham policiais a turnos intermináveis de serviço, sobre pressão psicológica que pode levar à loucura homens armados e com autoridade para matar. Julgamentos sumários e chacinas a sangue frio mais por defesa própria e medo do que por crueldade. Disputas encarniçadas entre superiores e subalternos visando abocanhar cada qual maior naco dos recursos provindos do tráfico e de inúmeras outras atividades ilegais. Trafico nas escolas e jovens sendo corrompidos encantados por um imaginário de sedução e poder proporcionado pelos seus donos. E para arrematar, provisionamento fácil de armas de alta tecnologia. Tudo isso bem contado e exposto numa salada de difícil digestão, mas que pelo menos alguém conseguiu ter acesso, coragem e recursos para trazer às claras sem subterfúgios.
TROPA DE ELITE esta ai à disposição de quem quiser. Um réquiem da arte de representar. Um ícone mortífero para aqueles que resvalem na tentação do tráfico e uma aula para os políticos falastrões que antes de se elegerem prometem o que não podem cumprir por puro medo do desgaste e das insólitas picadas do vespeiro.
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