O Brasil não é um país plenamente soberano!... Iniciar esta reflexão com uma afirmativa peremptoriamente negativista poderá para muitos, parecer exagero ou, até mesmo, insanidade, pois estamos condicionados pelas falsas adjetivações triunfalistas que nos rotulam como “um país que vai pra frente”, “o país do futuro” ou até mesmo pelo venerável “gigante pela própria natureza”.
A verdade histórica, todavia nos demonstra que esses clichês funcionam bem como determinantes infundadas, altamente eficazes como lavagem cerebral tão necessária ao embotamento da capacidade de discernimento das massas populares. Suas vítimas tornam-se incapacitadas para compreender que o sucesso no futuro está intimamente correlacionado à organização, disciplina, planejamento, patriotismo, obstinação, perfeccionismo, solidariedade e à supressão do clientelismo oligárquico.
Aliás, a realidade vivida pela sociedade brasileira é tão desalentadora, que apenas a pura conscientização nacionalista não bastará e terá peso relativo, se desassociada de uma eficaz política capaz de fazer o Brasil se impor como nação soberana; uma condição superlativa, que não brotará nos referenciais rotos, simplistas e pobres que o caracterizam como país do carnaval, do futebol ou das belas mulheres; mas sim nas profundezas da consciência cidadã, burilada pela educação preparatória para o exercício da cidadania participativa e compromissada com o dever do engrandecimento geral e de todos. Somente assim será possível neutralizar o estado onipresente, impositor, entreguista, perdulário e inoperante em que se transformou o Estado Brasileiro.
O povo de uma nação, que almeja ser grande deve entender que soberania não é um estado de espírito para se aclamar com palavras vãs, mas, acima de tudo, um status real altamente dependente do nível de comprometimento e da cumplicidade do cidadão com aquilo que seja capaz de construir para o bem coletivo e completa-se no respeito e na admiração que sua sociedade fortificada seja capaz de transparecer aos outros povos do mundo.
Façamos uma convocação ao sujeito de nossa ação, o povo, e encaremos sem preciosismos, nem faniquitos ufanistas a realidade na qual se insere a pretensa grande nação chamada Brasil. Observe-se primeiramente que assim que inferimos à palavra “povo”, recorreu-nos seguidamente o sentido de nação. Certamente pelo abstratismo contextual, gramatical e lingüístico somos induzidos involuntariamente à pergunta: qual povo? Talvez, possamos estar nos referindo ao povo druso, ao palestino, aos ciganos. Todos esses povos constituem nações sem território. São considerados nações porque têm história, idioma, cultura e ideais próprios. A posse do território configura-se numa importante condição, todavia sua ausência não obstará a condição de nação, porém esta jamais existirá sem um povo. Neste contexto, inspirou-se o cantor e compositor Casuza, em sua antológica canção, a qual conclama o Brasil a mostrar sua cara. - “Brasil, mostre a sua cara” – Portanto, qual é a nossa fisionomia? Miremo-nos no espelho da história e ele nos descortinará várias faces, indefinidas em cores e formas, sem objetivos comuns com a nova terra, múltiplas na bagagem cultural, algumas ensandecidas, outras desfiguradas e desnutridas pelas guerras, avassaladas pela ambição, desencantadas pela invasão dos seus domínios e humilhadas pela escravidão. Este caldeirão racial rico em diversidade continha de tudo; menos amor pela terra. Não houve quem viesse por livre e espontânea vontade. Sem exceção, por algum motivo, foram expulsos de suas origens para um mundo desconhecido e como tal, inóspito. Vieram compor a base de uma pirâmide social, que, desde cedo, constituía-se disforme pelo peso das desigualdades e que jamais se moldaria sob a batuta de qualquer código de ética.
Quinhentos anos foram nada para que a biogenética e a efervescência cultural pudessem dar contornos à cara brasileira. Ainda não temos, aqui nesta imensa e magnífica contingência geográfica, um povo. Talvez possamos ser considerados, tão somente uma multidão multirracial, que cultiva um racismo velado e negado, a qual por demais desenvolveu a virtude da tolerância e que se abrandara, com certeza, por ter-se afastado do centro nervoso dos seus conflitos originais ou mesmo porque os fracos continuam tão ineptos que não podem ou nem mesmo sabem reagir.
É uma falácia caracterizar seres humanos como brandos e pacíficos, pois não existe no reino animal, do qual fazemos parte, esta condição. Todos lutarão ferrenhamente pelo domínio territorial e pelos direitos básicos de se alimentar e se abrigar. Reavaliemos, portanto, cuidadosamente a excessiva paciência do brasileiro e digamos que esse seja apenas um estado letárgico; causa direta e crucial da ignorância endêmica e da subserviência degradante, enquanto formas de passividade inconsciente. A inconsciência em relação a si próprio e ao meio ambiente contribui para aguilhoar eficientemente o espírito humano, aprisionando-o no cadafalso da eterna esperança de que Deus fará aquilo que Ele próprio determinou que o homem o fizesse. Todavia a transitoriedade desse maligno estratagema político-social é evidente e terá seu desfecho à medida que se adensarem as hordas de miseráveis esfomeados e ignorantes, agora, mais do que nunca, aculturando-se na esteira da invasão informativa global, que jamais se preocupa com a ética comportamental e, ainda mais, estando energisada nos arroubos de encorajamento propiciados pelas drogas alucinógenas; cada vez mais disponíveis nas entranhas da sociedade e longe de serem indisponibilizadas pelo aparelho repressor oficial. O fruto amargo desses ingredientes é a violência: um subproduto da exclusão e do atraso tecnológico. Violência que gerará mais violência, cooptando comunidades inteiras a sua prática, pela falta de justa opção de sobrevivência ou até por legítima defesa e acelerará nossa caminhada suicida para o abismo da desordem social e do desmantelamento institucional. Finalmente ao encorajamento às ações separatistas e até mesmo à intervenção estrangeira. O espectro de possibilidades negativas é extenso e estas são apenas algumas das vertentes indesejáveis, mas inevitáveis.
Nas bordas desse caldeirão fervente está a elite, equilibrando-se confortavelmente no perigoso trapézio do laissez-faire*, amedrontada em seus castelos, embarcada em veículos blindados e confiante em três saídas: o lobismo, o aeroporto e as contas numeradas internacionais. Faz-se de surda em ouvidos moucos e olha com ares de soberano acenando para a multidão, que nem vê, porque esta regalada em seu próprio ego.
Perdido nessas ambigüidades debate-se o Brasil sem fisionomia própria, mergulhado um turbilhão de vozes que teorizam o que ninguém respalda, porque desconhece ou não confia. Nota-se excessiva polemização em torno de qualquer tema e isso é próprio de grupo social com objetivos indefinidos. A polêmica, por sua vez, emperra as decisões as tornando morosas e, muitas vezes, insipientes, o que é altamente prejudicial ao desenvolvimento de qualquer processo evolutivo, quer seja tecnológico ou social. Além do mais, a eterna impossibilidade de consenso denota forte influência de segmentos sociais menores, porém muito poderosos, em detrimento do que seria do real interesse para o conjunto da sociedade.
A fragmentação de interesses e a pulverização de esforços dirigidos à solução de problemas é tão diversa quanto a multiplicidade étnica brasileira; uma situação altamente desgastante e improdutiva em termos financeiros, temporais e políticos. Por exemplo: que nível de comprometimento patriótico ou fraterno possui os imigrantes japoneses ou, até mesmo, seus descendentes, com a comunidade negra? Estariam as nações indígenas brasileiras dispostas a se sacrificar, sob qualquer pretexto, para solucionar problemas enfrentados pelos comerciantes árabes e coreanos de São Paulo? Os panificadores portugueses do Rio de Janeiro pagariam mais caro pela farinha de trigo, a fim de melhorar a vida dos produtores italianos do Rio Grande do Sul? Quem sabe os coronéis nordestinos, oriundos das oligarquias agrárias feudais, lutariam pelos interesses dos pequenos produtores de leite de Minas Gerais ou estes, por sua vez, em especiais circunstâncias, se mobilizariam para defender os interesses dos empresários paulistas em nome dos milhares de empregos que geram? Todos os "nãos" que seguem as respostas ou mesmo o sentido antagônico que sugerem as perguntas demonstram, que o Brasil multirracial, demorará ainda alguns séculos para apurar uma verdadeira face com características próprias e desenvolver uma espécie de inter-cumplicidade social com a nacionalidade, que o propicie conquistar a respeitabilidade necessária, para que como nação verdadeiramente soberana, esteja preparada sobejamente para competir na arena das adversidades do mundo contemporâneo.
* laissez-faire – deixe estar como está para ver como é que fica.
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