Na era do desemprego endêmico, todos se esforçam para se defender como puder. Ir à luta com mais afinco, na maioria das vezes, até ganhando menos, é a única saída possível. Por outro lado, há outros, menos conformados, que escolhem os obscuros caminhos do crime, certamente contando com a sorte ou confiantes na expectativa de que nem sempre o crime não compensa, pois no Brasil, por exemplo, aparentemente, há muitos casos que ele compensa mesmo.
Somos um povo sui generis e carregamos em nossa genética a virtuosa tendência à condescendência com aqueles que nos são simpáticos, mesmo que injustificadamente tenham cometido graves delitos. Ficamos indecisos, por exemplo, quanto a apoiar a condenação do cantor ou do craque de futebol, que, irresponsavelmente, matou alguém, porque dirigia bêbado ou nos condoemos com o sofrimento de um jovem rico, bonito, que, portando alguns quilos de cocaína, fora detido num aeroporto internacional qualquer. Até nosso embaixador se presta a ir a público dar declaração em tom sensivelmente consternado e apreensivo, referindo-se a sua provável condenação.
Juridicamente temos crimes dolosos e culposos. Este último para faltas leves, que não envolvam mortes por mão armada, de preferência; mesmo que o faltoso seja dono de um animal solto numa estrada à noite. Dane-se quem morrer! Que não viajasse a noite, ora! Coitado do dono dos animais, pobre e desempregado esta foi a única chance que encontrara para sobreviver: tornar-se um pecuarista urbano.
Outro dia uma amiga me contou a história de um vasto rebanho que pasta nas latas de lixo toda noite, lá pelas redondezas da sua residência. Depois se acomoda tranqüilamente, no meio da via, a ruminar e a estercar proficuamente o asfalto. Indignada com o perigo solicitou aos seus vizinhos bombeiros providências. Gentilmente assentado em sua poltrona o militar chefe lhe mandou procurar a polícia porque aquele caso não era da sua competência. A polícia, por sua vez, declarou que não dispunha dos meios para a remoção dos animais e que somente seus colegas rodoviários possuíam veículos apropriados. A polícia rodoviária passou a bola para a prefeitura - secretaria da saúde, departamento de zoonoses - pois aquele setor não era da sua jurisdição. E a prefeitura!...Até hoje, nada!
Aí então, lhe aconselhei que deixasse o caso nas mãos de Deus. Ah! Mas e se Ele não der jeito e alguém morrer no asfalto?! Aí sim: o corpo de bombeiros virá para remover os corpos, a polícia para prender Deus e a justiça, por último, para enquadrá-LO na categoria de criminoso não intencional. Quanto ao dono dos animais, coitado, com certeza ficará ileso. Será mais um errado certo nas estatísticas desse Brasilzão esquisito.
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