Quando bem jovem, ainda nos anos da pré-adolescência, sempre gostei de ouvir conversas de adulto. Naquela época, tempo de respeito, quando não se admitia ponderações dos mais jovens; vez por outra, ouvia a voz forte de meu pai dizendo: ”menino vai lá prá dentro, isso aqui não é conversa de criança”.
Lá em casa, dentre tantos assuntos que ouvíamos de soslaio, casos de política eram os que mais me interessavam. Obviamente não podia entender os meandros daqueles diálogos, entretanto, guiado pela argúcia juvenil, podia perceber que tratavam de algo muito sério pelas fisionomias e tons de voz alterados. Gargalhadas, protestos, socos na mesa, confabulações. Alarido ora de discórdia, ora de alegria! Todo aquele furor alegrava o ambiente, como também inebriava o calor da polêmica e a certa dose de ansiedade e dúvida que logo se dissipavam sob os acordes do violão de Jean Pierre, do acordeão de comadre Zilda e do vozeirão do compadre José Pedro, acompanhados do tilintar de copos de vinho e cerveja.
Àquela época, vivíamos a conturbada década dos sessentas. Anos pré e pós revolução de 64. Naquele teatro político Tancredo era nosso líder maior, orgulho da terra pela inteligência impar, brilhantismo retórico e o invejável currículo iniciado como advogado e promotor da comarca e estendido ao seu ápice como ministro do presidente Vargas. São João se orgulhava do seu filho ilustre e o recebia com festa. O zoado do teco-teco era o sinal da chegada e o povão corria ao aeroporto para ver o espetáculo. Nas procissões da semana santa, também ele estava lá e nos apressávamos para vê-lo, num curto relance, dentre o secto de autoridades de ternos negros.
O largo do rosário se movimentava com o entra e sai do solar, pois dr. Tancredo, como o tratavam, precisa aproveitar o tempo e colocar em dia contactos políticos com velhos correligionários. O velho Ibrahim, meu saudoso avô, membro incondicional do PSD; certa vez, num de seus encontros com Tancredo, teria ouvido como resposta a uma de suas petições em favor de alguém a célebre frase que nunca mais se apagaria da sua memória, nem da minha, pois nunca se cansou de repeti-la na sua incansável espera pelas promessas do velho amigo: - “Ibrahim, não se preocupe. O que eu puder fazer por São João Del-Rei farei com muito prazer, pois esta cidade é a menina dos meus olhos”.
A vida na cidade era pacata como em todo lugar. O consumismo, a competição, a corrida contra o relógio e a ansiedade ainda não faziam parte da vida e São João, que sempre se intitulou terra da cultura, se orgulhava dos grandes colégios Nossa Senhora das Dores e Ginásio Santo Antônio, da proficiência musical, das orquestras, do acervo histórico, das igrejas seculares, das obras de Aleijadinho, da intimidade histórica com a Inconfidência Mineira e seu herói maior, do regimento Tiradentes e seu histórico de bravura e conquistas na segunda guerra e ainda do carnaval propagado como o terceiro melhor do Brasil. Perdia apenas para o Rio e Olinda. Havia ainda, para abrilhantar as tardes monótonas de domingo, os foguetórios dos inesquecíveis clássicos Minas e Atletic ou América e Social.
Certa vez, entediado da vida interiorana, relatava para tio Sebastião Pimenta as agruras de um jovem interiorano, sobrevivente numa cidade que pouco tinha para aplacar os arroubos juvenis e ele sabiamente respondeu: - “meu filho foi aqui que eu vi rua iluminada pela primeira vez na vida. Essa cidade é ótima”. Lembrando que ele teria aqui aportado por volta de 1943, como recrutado para o serviço militar.
Naquela época rua iluminada era luxo que poucas cidades no Brasil desfrutavam; mas São João, seguindo seu natural pioneirismo, as tinha. Por isso, era naturalmente adjetivada, como “a pérola das Minas Gerais”.
Infelizmente, ao longo do tempo, a pérola vem perdendo viço e também seu posto de pioneirismo para outras que nem de longe faziam frente ao glamour e ao cabedal humano e cultural de outrora. O processo de decadência é tão claro e desalentador, que certa vez, certo médico paulista, o qual assistia uma amiga sanjoanense em tratamento ginecológico num hospital daquela capital a aconselhou que não se arriscasse a voltar para São João enquanto estivesse convalescente, pois não acreditava que numa cidade tão mal cuidada houvesse recursos disponíveis à altura do seu problema. Ele esteve por aqui excursionando e achou incondizente a fama da cidade com seu estado de abandono. Sua franqueza feriu os brios da minha amiga que não teve outra opção a não ser reconhecer a forte razão do turista desencantado.
Homem de visão o tal médico. Pelas manchas do cartão de visitas imaginou certeiramente a falta de responsabilidade e de competência dos administradores públicos da eclética cidade. Mas estes não caíram do céu! Fomos nós quem os empossamos. Até quando dormiremos no ponto na hora de votar e exigir que cuidem melhor da menina dos olhos do Dr.Tancredo? Será que não se envergonham ao confrontar a capital da cultura 2007 com o mau cheiro do esgoto chamado lenheiro, buracos do calçamento central, lixo acumulado ao leu, matareu do canal, restos de construção obstruindo ruas, pontes quebradas?
Nós eleitores não podemos nos esquecer que as conquistas do presente são frutos do trabalho responsável de respeitáveis conterrâneos. Que “capital da cultura” não deveria ser um título efêmero extinguível em trinta e um de dezembro, mas um status quo perene, amplamente reconhecido e indiscutível em todos os aspectos culturais e que não é sob o comando de governantes do quilate desses que têm nos administrado que chegaremos lá.
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