O Brasil é mesmo um país incorrigível. Charles Degoul, certa vez, foi deselegante conosco, quando se referiu ao nosso jeitinho de ser de forma pejorativa. Naquela sua célebre frase: “O Brasil não é um país sério” resumidamente falou tudo o que sempre soubemos, mas como ninguém gosta de fazer catarse do próprio rabo, preferimos nos ressentir e o homem não se retratou, porque era Degoul e nós éramos nós. Entretanto, de nada adiantou o mal fadado puxão de orelha francês e nem mesmo nos preocupamos em mudar nossa vilipendiosa paixão pela conspiração, pelo conluio às escondidas; essa tendência filosófica de caráter exploratório, que nosso querido avozinho Portugal nos legou.
Nosso país virou um pandemônio e não é mais possível suportar tanta cara suja nos diários de notícias. Onde vamos arrumar espaço nas cadeias para tamanha bandidagem? Certamente, nem Salvador Dali, do alto da sua loucura genial seria capaz de retratar cenas tão patéticas carregadas de um surrealismo sórdido, vergonhoso e triste. Tantos homens de escol enfileirados, escondendo mãos algemadas, com aquele semblante inocente de menino peralta. Gravações de diálogos entre juizes e bandidos, entre construtores e administradores públicos ladravazes, insatisfeitos com polpudos salários e dezenas de vantagens. Negócios clandestinos de lotes de madeira amazônica, violação de provas vestibulares, tráfico de influência por toda parte, policiais de alta patente sucumbindo ao assédio milionário, venda de liminares. Até que outro dia o diálogo de um juiz carioca bateu forte na nossa cara, quando, ao ser interceptado pela polícia, o magistrado pedia ajuda a ninguém mais que a um pai de santo na empreitada para receber uma propina de um comparsa mal pagador. Sem falar nas crises dos sistemas de controle aéreo e nos golpes contra os “programas de aceleração do crescimento e luz para todos".
Enfim, estamos vivendo na era do mimetismo nacional, quando valores como honestidade, profissionalismo, patriotismo e dignidade passaram a ser relativos e todos parecem carregar consigo algo como uma deplorável tendência ao desvio de conduta, espécie de potencial latente que se manifesta diante da menor chance de levar vantagem. Até quando viveremos chafurdados nessa lama ninguém pode saber, uma vez que tantos cidadãos sucumbem à tentação do enriquecimento fácil, com tão alta freqüência, há tanto tempo. Uma herança cultural reforçada por leis brandas conseqüentes da ressaca de autoritarismo herdada dos tempos ditatoriais? Talvez seja. Os legisladores pós-ditadura traumatizados com os desmandos daquela época criaram benefícios legais muito bem explorados pelos marginais engravatados que ora estão colocando a polícia e a justiça em rotas divergentes: enquanto uma prende, a outra solta. Eis aí algo que turbina a coragem e lustra caras de pau travestidos de inocentes.
Todavia há ainda um outro ponto de vista a considerar como possível causa dessa tendência nacional mão leve. Seria também um efeito colateral da pobreza que nos assola desde nossa mais tenra idade? Talvez, porque a maioria dos brasileiros cresça ouvindo os pais se lamentarem do salário insuficiente, da necessidade de encurtar o orçamento com o empenho da prestação disso ou daquilo. Desde muito cedo o jovem teme o vestibular das universidades públicas; um funil desumano que vale a pena ser enfrentado, pois é a única maneira de galgar degraus superiores na escala social e melhorar de vida. Por outro lado, há ainda a tábua de salvação do concurso público, dando origem a uma espécie de frenesi que assola freqüentemente a juventude do Brasil, num vale tudo onde a única coisa que não se avalia é vocação. Dos milhões de funcionários públicos em atividade em todo o território do Brasil, é de se esperar que nem meio por cento seja um apaixonado pela profissão. Certamente um oportunista visando segurança, estabilidade, direitos especiais, aposentadorias integrais, férias prêmio e, talvez, o mais compensador, a certeza de estar livre da ferrenha competição no setor privado. Esses candidatos certamente carregam consigo um grande potencial de vulnerabilidade às fortuitas tentações inerentes à função que venham a exercer.
O pior disso tudo é que quem perde é o estado democrático, que se apóia, incontestavelmente, em instituições sólidas e homens capazes de geri-las com probidade. Do contrário corremos o risco de estar incentivando novas aventuras caudílicas como é o caso recente da Venezuela Chavista. Basta o surgimento de um líder carismático dono de uma boa lábia e "adeus viola" como dizia a avozinha do meu vizinho Batista. Depois tudo funciona como bola de neve, ninguém segura mais. Aí “vamos chorar na cama que é lugar quente”, como dizia meu saudoso vôvô.
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