Mais uma vez assistimos aos jogos olímpicos. Os últimos do século mereceram da anfitriã Austrália vultosos investimentos, acomodações seguras e confortáveis para um imenso contingente de atletas, juizes, fiscais, comissários, seguranças, policiais e tantos outros, que, trabalhando em conjunto, proporcionaram ao mundo um grandioso espetáculo de confraternização.
Homens de todas as partes do mundo puderam deleitar-se com imagens singulares de afeto, respeito e aceitação mútua. Acenos, sorrisos, evoluções sincronizadas, fogos multicoloridos, exibições folclóricas, porta bandeiras orgulhosos exibindo flâmulas altivas e soberanas; como se num instante o mundo da fantasia se materializasse numa realidade palpável e perene, que pudesse aparar arestas, amainar sentimentos, afagar corações e fazer com que os homens em uníssono aclamassem os anjos da paz e abominassem os espíritos malignos da guerra em perpétua unanimidade.
Estão de parabéns os australianos pela exuberância do seu jovem país, que como poucos souberam construir, em tempo recorde, uma das sociedades mais prósperas do planeta.
Iniciaram-se, então, os jogos. Corações apreensivos, corpos suados, uma explosão de sentimentos duramente contidos por quatro longos anos de preparação se materializando em gritos, caretas, sorrisos, choro, olhares fixos, expressões de regozijo e tristeza pelas vitórias ou derrotas que começam a se contabilizar. Eliminados se vão com o sentimento do dever cumprido e com a certeza de que fizeram o melhor. Classificados permanecem para mais uma etapa. A pressão aumenta. As apreensões e incertezas enchem os corpos de adrenalina tornando a competição cada vez mais acirrada, mais bela, mais técnica. Torcidas uniformizadas vibram a cada ponto, e sets, e goals, e rounds. Através do mundo outros tantos milhões de telespectadores varam madrugadas e manhãs e tardes; ávidos por vitórias. Sentem-se honrados ao verem seus pavilhões no ponto mais alto do estandarte. Comprazem-se com a felicidade de seus atletas, quase super-homens, ostentando medalhas em peitos ofegantes de emoção.
Nesses momentos especiais de magia e orgulhos exaltados novamente os homens despem-se da fantasia e caem na realidade política da extrema competição existente nas relações internacionais. Superpotências econômicas se revezam no alto do podium. Lá embaixo o resto. É o terceiro mundo do esporte no seu devido e merecido lugar. Com raríssimas exceções, países pobres alçam-se ao ouro olímpico. Seria mera coincidência ou há fatores determinantes para o fenômeno? Eis a questão!...
Todavia, coincidências são subjetividades e neste campo apenas o concreto é pertinente. Casualidades e imprevistos que levam à derrota os notoriamente favoritos têm peso relativo nos resultados finais.
Há muito os povos desenvolvidos descobriram que investimentos maciços em educação física são altamente benéficos à apuração psicobiofísica do povo. A idéia da “men sana in corpore sano” é pura verdade e deve ser encarada como valioso patrimônio nacional. Atividades desportivas reduzem a incidência de doenças cardiovasculares, degenerativas e psíquicas, além de afastar os indivíduos do consumo de drogas psicotrópicas e psicoativas, dentre elas o fumo e o álcool; com conseqüente redução de gastos previdenciários, aumento da longevidade e melhora da qualidade de vida.
Governantes do terceiro mundo, apesar de terem plena consciência dessas verdades, ainda optam pela demagogia e pelo descaso, quando o assunto é educação e principalmente a desportiva. No Brasil não poderia ser diferente. As administrações públicas se sucedem todas unânimes em negligenciar no setor educacional. Escolas mal aparelhadas não oferecem aos jovens condições satisfatórias para a praticagem desportiva. Não há praças de esportes públicas completas e bem aparelhadas. Aulas de educação física ministradas por pessoal despreparado, em horários inadequados obrigando alunos esbaforidos, suados e mal cheirosos a retornar às salas de aula sem nem mesmo tomar banho, por indisponibilidade de instalações próprias e adequadas, que dêem vazão ao grande fluxo de atletas em curto espaço de tempo.
Dessa população estudantil, uma imensa porcentagem é oriunda de gestações pobres em conteúdo protéico e vitamínico, considerando-se ainda genitoras provenientes de mães que foram submetidas a deficiências gestacionais da mesma ordem. O resultado perverso desse desequilíbrio é a origem de uma seqüência infindável de gerações que carregam as seqüelas das deficiências alimentares quase como uma herança genética. O elemento negro, por exemplo, uma das principais vertentes de formação da etnia brasileira, vive nesse círculo vicioso miserável e degradado desde que aqui aportaram seus ancestrais, há mais ou menos vinte gerações.
Desse substrato social débil e promíscuo emergem os atletas brasileiros, que aí permaneceram até a juventude até que, por sorte ou outro fator qualquer, o esporte surja como uma opção barata, rápida e impar para quem sonha com melhores dias e um futuro mais promissor e menos atribulado.
Intrigante, no entanto, é que na outra ponta temos atletas economicamente bem situados, que desfrutam de melhores condições sócio-econômicas e que, ainda assim, não conseguem resultados satisfatórios nas grandes competições. Qual seria o motivo? Em outras situações atletas que ostentam dezenas de vitórias e até recordes e que na “hora H” são acometidos por pesados reveses emocionais. Vez por outra choram copiosamente diante dessa realidade e se dizem perplexos com a brutal queda de seus rendimentos, exatamente quando maiores são as exigências e responsabilidades. É comum ouvirmos declarações tais como: - “meus braços travaram e minhas pernas amoleceram. Parece que temos medo de ganhar, medo da vitória”. Atletas do futebol, nosso esporte mais popular, que gozam dos maiores investimentos em infra-estrutura, vez por outra adernam no mar de emoções descontroladas; o que vem implicando analistas esportivos e psicanalistas. No volleyball da mesma forma, subvencionado por vultosos investimentos provenientes de poderosos patrocinadores, que descobriram assim excelente maneira de projetar suas marcas através das massas, também o fenômeno teimosamente ocorre. Seriamos um povo desestruturado emocionalmente?
Infelizmente temos que reconhecer respondendo positivamente a esta intrigante questão mesmo porque nossos pífios resultados configuram-se na melhor e mais contundente resposta, pois vitória e sucesso, apesar de parecerem casualidades não o são. Pelo contrário, são conquistados como qualquer outra realização humana. São objetivos pré-determinados e arduamente perseguidos. Constituem-se no somatório de caros e permanentes investimentos na melhoria da qualidade de vida de uma nação. Dependem da mudança da mentalidade canhestra de governantes que querem ser reconhecidos como estadistas, muito mais pela demagogia do que pelo convencimento de que a nacionalidade se constrói pelo aperfeiçoamento da sua alma que é seu povo.
De nada adiantam matas verdejantes, natureza dadivosa, riquezas minerais, unidade lingüística, terras intermináveis, enquanto o elemento animado, propulsor disso tudo; o ser humano estiver enfermo e moribundo vitima desses mandatários magnatas do poder e parasitas da “pátria amada e do povo heróico”.
Aqueles que não conquistaram o ouro olímpico trouxeram consigo o ouro da dignidade por terem se defrontado com as máquinas humanas super preparadas do primeiro mundo. Seus segundos e terceiros lugares são quase o impossível e certamente sejam os tais azarões do esporte. Enfim, são heróis muito dignos porque defenderam as suas custas, as cores auriverde da pátria obstaculizadora e injusta que jamais velou responsavelmente pelo bem estar social. Que, muitas vezes, nem sequer, assegura um registro de nascimento aos seus filhos. Eles são magnânimos e admiráveis ao oferecerem suas vitórias à pátria, enquanto foram heróis de si mesmos arrebatadores solitários da miséria e da odiosa segregação econômica e racial que os inferioriza em relação àqueles superadversários do primeiro mundo.
Quanto ao “medo de ganhar”, um dos responsáveis pelo nosso desequilíbrio emocional, somente nos libertaremos desse mal, quando deixarmos de ser um povo perdedor e oprimido pelas adversidades da vida nacional. Simplesmente somos desabituados a vencer, porque não fomos treinados para a vitória. Ser perdedor é um costume em nossa sociedade. Perdemos a todo instante, quando somos enganados e achincalhados pelos nossos governantes. Quando assistimos impotentes irmãos compatriotas se alimentarem dos dejetos das cidades. Perder é também estar desempregado e incapacitado na média idade. É morrer na violência urbana e ser tão intimidado pela polícia, quanto pelos bandidos. Assistir a milhares de dólares se esvaírem pelo ralo da roubalheira generalizada ou pagar pesados impostos num sistema perdulário e ineficiente, que eternamente beneficia os espertalhões e políticos profissionais. Seria também fazer parte de uma das maiores economias do mundo e ser miserável por omissão nacional.
Ganhar é mera exceção em nossa sociedade. Por isso a emoção e o peso das vitórias são assustadores. Para que se crie gerações vitoriosas é necessário incitar dois sentimentos de extrema importância, característicos dos grandes conquistadores e vitoriosos contumazes: o ímpeto e a vaidade característicos da ambição. Os impetuosos são desafiadores e guerreiros imbatíveis, pois perseguem a vitória através das fraquezas do opositor. Para estes a vitória não é uma casualidade, uma exceção, mas uma regra. Não estamos tratando de ímpeto e ambição sem a temperança da ética, do respeito e da justiça, valores característicos dos bem criados; pois, do contrário, estaríamos gerando e defendendo criminosos potenciais.
Que esta experiência olímpica humilhante sirva de lição para aqueles que dirigem o destino do Brasil. Que comecem a trabalhar a fim de que nas próximas olimpíadas não retornemos apenas amarelecidos de vergonha ou de humilhação, mas realmente auriverdes como o “pendão da esperança” e possamos gastar justamente rolos de papel em telegramas de congratulações, desta feita, sem demagogia; para atletas vitoriosos contumazes assim como os americanos, chineses, russos, franceses e tantos outros.
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