CONVERSA AO PÉ DO OUVIDO.
Outro dia conversando com um amigo sobre a situação calamitosa do nosso País, ouvi dele certo desabafo incondizente com sua posição social. Ele é um empresário bem sucedido. Dizia ele, referindo-se a sua gastrite crônica:
- Meu médico aconselhou-me a não esquentar tanto a cabeça.
Curioso perguntei:
- Como é que se consegue essa façanha com dinheiro curto, preços que não param de subir, banditismo permeando nossas vidas, emprego por um triz, impostos em alta?
Ele sorriu e deu sua receita:
- Parei de ver noticiário, ler jornal e nem mesmo converso sobre esses assuntos. Estou melhor. E completou:
- Pegue um jornal ou qualquer revista de dez ou vinte anos atrás, leia as manchetes e verá que tudo continua na mesma. Como diria o velho ditado popular: "tudo esta como dantes no Quartel de Abrantes". Numa maneira mais grotesca dir-se-ia também que a lambança continua a mesma, só mudaram as moscas.
Inteligente esse meu amigo. Esta melhorando da gastrite, economizando os trocados do jornal, não fica sedentário no sofá assistindo àqueles fatídicos noticiários noturnos. Mas, meio insatisfeito, ainda o provoquei com a derradeira pergunta:
- Você ficará desinformado? Isso não é aconselhável nesse mundo globalizado e competitivo. Se entrincheirar-se ficará rapidamente embotado. Ele respondeu:
- Não, hoje em dia, só me preocupo em saber os nomes dos novos políticos e seus cargos. Quanto à história, não precisa, pois continua sempre a mesma.
Bem, história por história, tudo não deixa de ter um ar mórbido. Homens de bem adoecendo, vitimados pelo vírus da bagunça nacional. Além do mais, numa democracia em que os cidadãos prescindem de seu direito mais elementar, que é o de se manter informado, alguma coisa vai mal. Onde vamos parar com esta situação? Há anos atrás receitaram "democracia ampla, geral e irrestrita". Pois bem, aí está! Era isso que queríamos? Claro que não. E não temos nada contra a democracia, ampla e geral. Talvez devêssemos nos posicionar contra a democracia irrestrita. Eis a chave da questão!... Neste mundo dos mortais não há nada irrestrito Há sim, restrições para tudo. Desde que nascemos e dividimos espaço com nossos pais e irmãos, estamos sendo restringidos. Até o trabalho, que dignifica e liberta, também restringe. Impõe-nos normas, horários, hierarquia e proporciona ganhos que nem sempre satisfazem nossos anseios e necessidades. Ledo engano esse da liberdade irrestrita.
Platão há séculos antes de Cristo, advertiu que o aperfeiçoamento de uma sociedade inicia-se no coração dos seus homens e mulheres. Então, se, segundo ele, somos a matéria prima indispensável na construção do bem, o que nos falta? Vontade?
Acredito que não. Vontade temos e muita. Falta-nos preparo, conscientização, cultura mesmo. Não me refiro, porém, à cultura enlatada, que visa preparar tecnoburocratas bilíngües, yuppies monetaristas em seus corpos sarados e anabolisados transportando mentes e espíritos vazios de formação humanística e da boa e recomendável ética.
Que bom terá sido viver naquele tempo de antanho, quando não havia automóvel nacional, nem, muito menos, importado; nem televisão, nem Internet, nem parâmetros hipócritas que qualificam escolas boas ou ruins, estaduais ou particulares, a dos ricos ou a dos pobres. Sem nada disso as pessoas eram simplesmente éticas. Tão somente o fio do bigode era a tinta perene do respeito e da palavra empenhada.
Seria esse empobrecimento humanístico da nossa época efeito colateral das comodidades que a era tecnológica proporciona? Creio que não. No entanto, acredito que a sociedade contemporânea esta colhendo os frutos que tem plantado. Semeou materialismo e segregação, não era de se esperar colheita auspiciosa de frutos menos ácidos.
/./././././././././././
Nenhum comentário:
Postar um comentário