Nós mineiros somos famosos pela maneira peculiar de falar, com sotaque caipira e palavreado rico em regionalismos, que, além de representarem muito bem a sabedoria popular e o caráter um tanto introspectivo do povo provocam certa pândega no forasteiro. Outro dia numa conversa informal com um amigo aqui dos cafundós, este usou um desses ícones do nosso vocabulário: - “pois é compadre, as coisas no Brasil são assim, dão uma no prego e outra na ferradura!”. O forasteiro, paulista de aguçada atenção, mais tarde, longe do compadre, caçoou zombeteiramente: - lá em São Paulo, há muito, só batemos no prego, porque ferraduras já não mais existem.
O amigo paulista riu-se do estranho simbolismo idiomático, mas finalmente esqueceu de chorar pelo ledo engano, pois no Brasil costuma-se mesmo perder tempo demais com “entretantos” em detrimento dos “finalmentes”, como diria Odorico Paraguaçu, o célebre prefeito de Sucupira. E Platão, que viveu há 2400 anos e nem chegou a conhecer os regionalismos mineiros, nem as paródias brasileiras, preconizou que a polêmica mal resolvida é prejudicial ao progresso e, portanto pode atrasar em muito os assuntos do interesse público. Assim vem acontecendo no trato da discriminação aos negros brasileiros. O Brasil é, com certeza, o único país do mundo que vem tentando limpar-se das vergonhas de um passado de massacre contra uma raça importante, que ironicamente compõe seu tripé étnico. Hoje sua população negra e branca encontra-se em equivalência percentual o transformando no país que abriga a maior população negra do planeta, superando todos os paises do continente africano. Entretanto no país mais mestiço do mundo ainda prevalece o preconceito velado e dissimulado e em combate a ele o governo vem bravamente introduzindo normas que reservem ao negro o lugar que merece. Campanhas educativas, cotas para afro-descendentes nas empresas públicas, nas universidades; incentivos fiscais para empresas privadas que empreguem negros, repressão severa aos maus tratos e atos discriminatórios, etc. A essas iniciativas poderíamos, sem sombra de dúvida, considerar a batida no prego; contudo, por outro lado, corre-se o sério risco de se prejudicar a eficiência do processo de conscientização e inserção pelas inúteis batidas na ferradura. É hilariante um branco numa matrícula universitária se declarar negro porque é afro-descendente. Ora, cor da pele é um estereótipo, que salta aos olhos, dispensando-se a necessidade do declarante se autocaracterizar. Obviamente um cidadão de pele branca deveria estar cometendo crime de falsidade ideológica ao se declarar negro apenas baseado na ancestralidade e na visualização de vantagens. Entretanto é o que vem ocorrendo com anteparo legal e potencial para causar atritos, alimentando a discriminação e incentivando o racismo no bojo da polemização de um processo que nasceu para cumprir objetivamente seu papel.
Todavia o pior dos anacronismos ou o que poderíamos classificar como a maior das batidas na ferradura é o fato do governo não estar agindo da mesma forma na formação básica das populações negras. Apenas a minoria das crianças dessa origem reúne condições de se ingressar numa escola básica de bom nível; sobrando-lhes, portanto, a derradeira opção pela escola pública de má qualidade. Aí entra em ação a lógica elementar: quem começa mal termina mal e o futuro estará irreversivelmente comprometido. O jovem mal formado jamais competirá em igualdade de condições com aqueles embarcados na boa base adquirida na escola particular. Mesmo sob a proteção das cotas governamentais aplicadas tardiamente não atingirá o nível profissional exigido pelo mercado tecnológico e altamente competitivo; contribuindo sobremaneira para a perpetuação do círculo vicioso de despreparo profissional, discriminações, desigualdade salarial e conseqüentes frustrações pessoais.
Infelizmente, no embalo do lamentável engano, a grande batida final será no prego do governo populista que engordará urnas pelos votos da comunidade negra impressionada com a bondade governamental. Pois é, esses contos da carochinha serviram também para enganar os índios, que, por espelhos e enfeites baratos, perderam a vida, a liberdade e a propriedade da terra. Conclamo então nossos irmãos negros brasileiros a esquecerem dessas bobagens de cotas e outros penduricalhos e que exijam do governo menos batidas na ferradura e maior atenção com a qualidade no ensino básico; com mais disciplina, menos libertinagem, melhores salários, melhor logística, maior segurança, menos demagogia e menos hipocrisia; quanto aos resultados não serão imediatos, mas perenes. Para quem já esperou quatro séculos, que lute para corrigir a pontaria do governo e espere mais vinte anos.
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