O imaginário em todas as épocas criou personagens habitantes de mundos utópicos, justiceiros capazes de voar, esbanjar super-poderes, combater sozinhos exércitos inteiros ou príncipes e belas adormecidas que com seus amores platônicos, proibidos e impossíveis, acabavam dando um jeito mágico, a fim do encontro do final sempre feliz. Essas são escapatórias que usamos toda vez que adernamos no mar das nossas fantasias, desilusões e frustrações. Então, se são estórias possíveis ou impossíveis, não importa; desde que estejam cumprindo seu papel de dar asas ao peso da sórdida realidade; às vezes, quase insuportável; são válidas. Assim funciona o mundo dos sonhos e sonhar é, certamente, a única seara humana a que os senhores donos do mundo nunca puderam, nem nunca poderão controlar.
Mas a psicologia com suas teorias do pensamento positivo e outros segmentos científicos menos subjetivos têm nos provado com conquistas e realizações bastante concretas que sonhos não são apenas exercícios fantasiosos, utópicos e impossíveis e que associados à férrea força de vontade, à determinação, ao intelecto, à organização e à racionalização mais alguma dose de liderança e sorte; certos indivíduos podem transformá-los em realidades muito palpáveis e palcos de finais singularmente felizes.
A história universal contemporânea tem registrados alguns exemplos antológicos dessa verdade. Lesc Walesa, o sindicalista polonês que enfrentou a cara feia do comunismo, pela coragem de fundar e liderar um sindicato de trabalhadores; inicialmente clandestino e resultado de um sonho fantástico de liberdade transformou-se no trapézio que o levaria à presidência da república libertando seu país das garras do Soviete Supremo. O líder negro sul-africano Nelson Mandela, desafeto dos brancos britânicos pelos seus sonhos de igualitarismo; nem a perseguição e os vinte e seis anos de clausura foram capazes de calar o grito de liberdade que retumbava em seu peito. Enfim, sucumbindo a pressões internacionais, os trogloditas brancos o libertaram e não puderam mais conter a vontade da maioria negra, que por voto direto o transformou no primeiro presidente negro da história daquele país. Mandela, hoje um nonagenário, ainda é voz ativa em prol da paz e dos oprimidos. Há ainda exemplos menos emblemáticos, que caracterizam muito bem a força do sonhador no rastro de um ideal acontecendo também na América Latina com a ascensão de líderes como Lula, Morales na Bolívia e o ex-bispo católico D. Lugo no Paraguai.
Mas, outro dia, o mundo parou estupefato diante da vitória do zumbi americano, Barack Hussein Obama. Um negro mestiço, descendente de escravos importados à força, para compor a mão de obra e a escória daquela sociedade sectária. Homem do mundo, um protótipo universal, criado em vários países, quase cooptado pelo submundo. Estudioso, inteligente, detalhista, eloqüente, carismático, determinado e indignado com o status secundário dos seus iguais; em apenas quatro anos de vida pública partiu do anonimato à presidência dos Estados Unidos; cargo tradicionalmente ocupado por oligarcas brancos azedos* de sangue azul.
Entretanto, no compasso do salutar ceticismo característico dos cautelosos, penso que por detrás de todo conto de fadas de final feliz, haja sempre boas lições a se contabilizar. A história comprova fartamente que o sofrimento é mola propulsora dos avanços humanos em qualquer área considerável e daí conclui-se que a sociedade azul americana jamais teria elegido um protótipo dos vermelhos, a sua presidência, em época normal. Aí entra o fator sorte; ele era o homem certo na hora certa. O lugar talvez não fosse o mais certo, se o país não estivesse caminhando de malas prontas para o abismo. Segunda prova disso é que mesmo diante da catástrofe criada pelo azul Jorge S Bush (S de stupid) a vitória democrata não foi tão arrasadora quanto devia ter sido. Penso que com a azul Hillary tivessem uma vitória mais substancial. Obviamente não estou tratando aqui de quem seria o melhor para os Estados Unidos, mas exclusivamente filosofando sobre verdades históricas e também sobre a lógica da ilógica estupidez humana.
Outra conclusão óbvia a se chegar é que em qualquer sociedade, seja ela mais ou menos eclética, a segregação racial é sempre maior com os pobres e despreparados intelectualmente, ainda que sejam o fruto de políticas mal aplicadas e mal conduzidas. Barack Obama é um intelectual, rico e bem apessoado; negro, mas nem tanto quanto Jasse Jackson, Malcolm X ou mesmo o lendário Martin Luther King.
Extrapolando do universo americano e vindo navegar nas praias da Terra Tupiniquim, aqui bem abaixo do equador, onde hipocritamente criticamos os azuis racistas americanos; não é muito difícil observar que a presença de vermelhos nos poderes públicos é vergonhosamente menor que lá. Nas fileiras do judiciário americano, há séculos, está presente o elemento negro (ou melhor, vermelho), sem contar o executivo com centenas de prefeitos e governadores rubros. O presidente Bush pai se utilizou dos serviços de um general negro, Colin Powell; assim como Bush filho teve como secretária de Estado a negra Condolissa Rice. Se suas excelências, caros leitores, têm melhor memória que a deste calculista que hora voz fala, por favor, lembrem-se de apenas um oficial general negro que tenha composto as fileiras das forças armadas do Brasil ou citem apenas um diplomata de terceiro escalão servindo o país mais africano do mundo depois dos africanos?
E, para arrematar concluímos que o primeiro passo para se acabar com a segregação racial em qualquer parte do mundo deve ser dado rumo aos portais da escola, pois somente a cultura poderá purificar do estigma do tom da pele e arrefecerá brancos azuis carregados de culpa pelos genocídios históricos cometidos desde o arrastão escravista mantido por três séculos, cujos respingos nos emporcalham até hoje; a nós do sul e a eles brancos azedos azuis do norte.
* azedo aqui não é pejorativo, pois está se referindo ao caráter britânico introspectivo, temperamental, fleumático, eternamente mal humorado.
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