Outro dia fui convidado a assistir palestra cujo tema central era: “Família, núcleo base do povo de Deus”. Assunto polêmico e quase sempre enfadonho para uma sexta feira, mas por impossibilidade de dizer não a certas pessoas, principalmente quando se trata do pároco da pequena cidade onde vivo; compareci. Convite provindo do padre, porque se comemorava a semana da família; atividade proposta pela Campanha da Fraternidade. Sala cheia, a maioria mulheres, talvez porque na sociedade machista essas coisas pertinentes à educação de filhos caibam mais a elas ou porque homens, nas sextas feiras, tenham outros afazeres pelos bares da vida; o fato é que o palestrante percebendo a ausência masculina comentou jocosamente: - “depois eles reclamam que a justiça é tendenciosa”.
Enfim a discussão limitou-se à pergunta: Por que você quis ter filhos? Respostas acanhadas dissimuladas em sorrisos de soslaio, entremeadas ao burburinho que repentinamente inundou o recinto e uma ou outra se justificou com aqueles antigos clichês: - porque são o fruto do casamento; porque Deus quis; porque são um presente de Deus; porque tinha medo do meu casamento cair no marasmo; meu marido não queria, mas forcei a barra e ele teve que aceitar... Restabelecido o silêncio e diante do sorriso amarelo do palestrante novas risadas e olhares de curiosidade. Por que ele nos olha desta maneira? Muitas se perguntavam...
Certamente indignou-se pelos tantos motivos banais e convicções inconsistentes. Ora; em face da suma importância da paternidade não cabem veleidades e impulsos de caráter individualista com o único intuito de manipular ou satisfazer desejos pessoais fúteis e efêmeros. Filhos não são investimentos materiais como aquisição do automóvel, a construção da casa própria ou a realização do sonho de conhecer Disney World; que podem ser negociados, reformados, substituídos, adiados, vendidos ou até mesmo esquecidos e abandonados, caso não agradem pelos defeitos e fraquezas que por desventura possam apresentar. Não é possível lhes substituir a cor dos olhos, nem o caráter, nem incapacidades corporais, mentais e cognitivas. A única moeda circulante na empreitada de criá-los e prepará-los para a vida é o amor personificado em dedicação perene, aceitação incondicional, conduta exemplar, estabelecimento de limites, convivência em família cujas relações sejam constantes, equilibradas, pacíficas e respeitosas. Essa receita de amor é a argamassa da formação humanística necessária à concepção de cidadãos capacitados para legar ao mundo novas gerações aptas ao sucesso do homem (mulher) como obra superior e fazer jus a sua suprema condição na divina construção universal.
Diante dessas reflexões, a platéia fez sua mea culpa, pois a maioria havia se esquecido que assim como a ferrugem e o caruncho atacam bens materiais, também os oportunistas investem contra filhos legados ao descaso de pais despreparados para criar em estado de amor por estarem eternamente assoberbados de afazeres cotidianos ou prazeres efêmeros. Pais que, diante dos desvarios de filhos perdidos, camuflam-se por detrás da indefectível questão: - “onde foi que errei?” e se esquecem que certamente erraram pela ausência, pelo desamor, pela impaciência, pela ignorância, pela leniência, pela supervalorização do “eu individualista” em detrimento do “nós em família”.
Hoje, quando vemos crescer os índices de desrespeito aos impúberes na esteira do assédio do tráfico, das cantadas dos pedófilos cibernéticos ou das seduções baratas dos aliciadores de esquina, nosso primeiro impulso é ligar para o disk denúncia de plantão, para a polícia ou para quem quer que seja. Obviamente as ações criminosas devem ser coibidas e os malfeitores subtraídos do convívio social, entretanto não nos é permitido esquecer que tais criminosos um dia foram crianças, em sua grande maioria, filhos de pais ausentes, que nunca mediram o tamanho da responsabilidade que assumiram no dia que resolveram conceber. De nada adianta encarcerar alguns criminosos por dia, se continuarmos a criar condições para fabricá-los em série no seio de nossas próprias famílias. Com certeza o disk denúncia e a polícia estão desempenhando parcialmente seu trabalho, pois deveriam, ao trancafiar o denunciado, querer saber do procedimento dos pais no dia a dia familiar e por onde andavam, enquanto seus filhos indefesos eram molestados...
Algumas mães presentes interpuseram suas últimas questões na tentativa, talvez, de se justificarem diante da própria consciência: - se não tenho tempo, pois preciso estar fora o dia todo, a fim de ajudar meu marido nos inúmeros compromissos mensais, como devo fazer?
Ainda há muito que fazer. Desdobre-se, seja ainda mais paciente e carinhosa, ame mais, dê mais apoio, mantenha-se presente mesmo ausente, fiscalize, queira saber tudo nos mínimos detalhes, não descanse nunca e se isto for mesmo impossível, não tenha filhos, viva somente para você e verá que daqui a alguns anos as prisões estarão mais vazias.
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