Quem um dia foi criança se lembra daquela história do entrevero entre a cigarra e a formiga. Enquanto uma trabalhava a outra cantava. Um dia, ao início do inverno, a cantora foi bater à porta do formigueiro para pedir alimento e abrigo. Aí recebeu com escarninho a negativa das indignadas formigas.
- Se cantou, agora dance!
E a cigarra insistente continuou sua tentativa de convencimento.
- Como não trabalhei se com meu cantar alegrei vossos dias de trabalho?!
A afirmativa da cigarra demonstra certeza absoluta da utilidade do seu ócio. E talvez até tivesse razão, se agora não dependesse da compaixão daquela que provisionou. Entretanto a preguiçosa pelo menos demonstra algum respeito, quando implora a sensibilidade da trabalhadora; diferentemente dos políticos caras de pau, que, inapetentes ao trabalho, batem nossas carteiras sem piedade. Melhor exemplo é que mais uma vez assistimos à nova onda de altas salariais açambarcando os vários níveis governamentais. O senador Cristóvão Buarque, uma das poucas vozes contra, argumentou que a hora é de se preocupar com o “piso” e não com o “teto” salarial. Tarde demais; a avalanche já está deflagrada e ninguém é capaz de contê-la. Nada os comove, nenhuma desordem social ou calamidade pode demovê-los da ânsia feroz de levar vantagem, de sobressair-se coloridamente no mar cinza onde vegeta o povo anestesiado pela ignorância crônica, pela pobreza cruel, pelo mau cheiro das vielas. Até quando um assalariado pelo mínimo terá que trabalhar quatro anos e meio para ganhar um único salário teto? Até quando um aposentado estará condenado ao degredo econômico e social? Até quando teremos que assistir a tantos velhos malandros viverem nababesca e ociosamente à custa de um erário que nunca pode investir mais do que parcos por cento em estruturas que garantam dignidade e realização para todos?
Certa vez concentrados no que chamávamos de ginásio, à hora do lanche, um saudoso professor de filosofia e religião nos aconselhou que na hora da oração pedíssemos perdão a Deus pelo tanto que comíamos num país onde a maioria tinha fome. Comprova-se aí claramente a profunda consciência social de um homem, que tinha como principal responsabilidade educar novas gerações lhes desenvolvendo plena consciência de que apenas com respeito e solidariedade pode-se criar um clima de cooperativismo aonde as pessoas facilmente possam compreender que ocupar menos espaço pode ser útil para que outros também consigam a realização de sonhos inerentes a todo ser humano e que, quando isso não acontece a sociedade se transforma num pandemônio aonde reina a violência sem limites. A convivência social para ser harmônica deve compreender divisão eqüitativa de deveres e direitos e isso significa que quando se ceifa um campo pobre todos devem ser pobres. Enquanto a maioria trabalhar duro na ceifa de parcas colheitas para alguns viverem cantando, continuaremos assistindo a inocentes morrerem impiedosamente pelas balas de delinqüentes que um dia foram crianças sem comida, sem teto, sem escola e sem sonhos; filhos e netos de pais e avós que nunca sonharam; sempre despertos pela desesperança de viver num país cruel e sem respeito.
Platão do alto da sua sabedoria preconizou: “se um homem quiser mover o mundo tem que começar por mover a si mesmo”. Dentro desse contexto, como poderá o Brasil atingir a plenitude democrática e maturidade nacional com a qualidade dos homens que o dirigem? Pobres de espírito e civismo, mentirosos, teatrais, desumanos; incapazes de mover-se na direção de qualquer interesse a não ser os próprios; que impiedosamente se locupletam da miséria brasileira e se consideram remidos para criar leis e julgar outros bandidos de arma em punho, estes também tão vítimas quanto tantos inocentes que tombam anonimamente no cotidiano sanguinário.
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