Pode-se afirmar com certeza que o maior sonho de qualquer cidadão brasileiro é se livrar do banditismo na administração pública, porque a população sabe, tão bem quanto os estudiosos, que a produtividade do país, no seu aspecto geral, poderia no mínimo dobrar, caso os mecanismos legais de combate ao saque fossem mais leais à sociedade e menos mancomunados com o crime e lobistas quadrilheiros, apenas interessados em defender os interesses das minorias às quais representam. O cidadão brasileiro, desde a infância conhece, lá na sua terra natal, os prefeitos larápios que reformavam suas residências se valendo da mão de obra e da frota chapa branca ou do vereador que levava a namorada ao hotel das estrelas na viatura oficial. Estes ilícitos são tão comuns que o folclore popular os elegeu como índice classificatório do bom e do mau ladrão; estabelecendo aí claramente a linha divisória entre os virtuosos como bons que roubam, mas fazem; e os maus como larápios, que nada fazem. Note-se que em ambas as situações o ato de surripiar é fato comum. Aliás, é bom ressaltar que subtrair o alheio na sociedade brasileira é tão comum e aceitável que podíamos reivindicar como mérito nacional a invenção do ‘roubômetro’; notável aparelho classificador do nível de dolo de certa mão leve como falta grave ou nem tanto, tudo, claro, dependendo da cara e do status do sujeito: roubo de galinha é crime doloso inafiançável que merece cadeia sem remissão além de autuação pelo Ibama; furtar calcinha no varal é crime culposo, pois o gatuno tarado foi vitimado pelo abominável fetiche sexual; crescer o olho esfomeado numa penca de bananas na feira pode valer boa surra no pau de arara dum cárcere fedorento e ficha suja transitada em julgado pelo resto da vida. Nesse mundo dos comuns as coisas são mesmo difíceis e se um dia o ex-ladrão de bananas, já saciado e arrependido, se candidatar a um cargo público lhe será exigido “atestado de bons antecedentes”, uma instituição injusta, pois lhe sujaram a ficha sem direito democrático à defesa e ninguém jamais parou para julgá-lo e pesar que a fome costuma ser mais negra que a tara pela calcinha da monumental mulher do próximo.
Enquanto isso, na alta estratosfera social aonde somente transita anjos engravatados de colarinhos nem sempre tão brancos, nada dessas coisas acontecem, uma vez que nos free shops, nem se vendem bananas e calcinhas de marca são pagas no cartão de crédito corporativo. Empregar parentes é um direito angélico inalienável, pois no Brasil miserável aonde eternamente há demanda maior que oferta de postos de trabalho e nunca se ganha o que merece um aristocrata é justo que o empreguismo secreto seja institucionalizado para parentes e até namorados; claro. Afinal de contas bancos e empresas estatais foram arrematados pelas mãos da iniciativa privada, que os vem fazendo dar lucros nunca dantes registrados; felizmente, não mais para os legionários alados de estrela na testa. Mordomos, segurança em propriedades e em missões de interesse particular, bolsas de estudos no estrangeiro, viagens excursionais com familiares, apartamentos de graça para quem mora em mansões cinematográficas e ganha salários impensáveis para contribuinte qualquer, investimentos de empresas públicas em empresas e fundações de fachada a serviço de egos imperialistas, reformas excêntricas caras e dispensáveis; tudo pago com verba pública, são direitos reais dos nobres reis e príncipes da Imperial República Democrática Federativa do Brasil; tudo dentro da legalidade ilegal dos atos secretos, que não interessam a nenhum “Estadão” mexeriqueiro, nem aos habitantes da democracia de caudilhos e bananas. Há ainda a legião dos mascarados; estes muito mais fluídicos, pois só agem na calada da sala trancada aonde não penetra nem a luz da lei ilegal dos atos secretos, uma vez que se associam ao tráfico de qualquer coisa que dê lucro ou propicie lavagem de dinheiro sujo.
Enquanto isso a sociedade indignada se mobiliza na razoável tentativa de inocular com um abaixo-assinado de mais de um milhão e meio de assinaturas a sonífera “presunção da inocência” daqueles que ainda não foram julgados e condenados pela prática desses crimes translúcidos que todos sabem acontecer, pois a imprensa divulga diariamente e seus resultados maléficos estão aí prejudicando toda a nacionalidade, mas que diante do seu abstratismo e da dissimulação e projeção dos acusados tornam-se de difícil comprovação. Contudo, cura existe e é possível, mas esbarra na malevolência da “presunção da cumplicidade” dos seus pares previdentemente interessados em perder a grande oportunidade duma boa faxina na política séptica brasileira. Bobagem! Bastava que os Tribunais Regionais Eleitorais se lembrassem que constitucionalmente todos são iguais perante a lei e invocassem o antidemocrático instrumento denominado “atestado de bons antecedentes” exigido dos contribuintes e concursandos plebeus pelo Brasil afora. Aí até os ladrões de banana subnutridos seriam justiçados e perdoados por lógica e equilibrada jurisprudência.
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