Vocês aí dessas cidades grandes com cara, onda e jeito de capital; barulheira infernal, fumaceira, ladroeira, carro pra todo lado, calor e corpo suado a dar com pau, com seus montes de edifícios sem limite de altura, bufando de gente cara dura que nem se conhece e mal se cumprimenta; demais apressada pra chegar e voltar, muito entendida de ganhar dinheiro e muito desentendida de perder tempo na construção de boas amizades e bater papo à toa na toada da prosa boa; que não sabe como é bom uma pinguinha da branquinha ou da amarelinha com tira gosto de canjiquinha com costelinha ou de galinhada e pão ao alho no caldo grosso com bastante tomate e cebolinha.
Vocês que não conhecem como é bom tocar viola, cantar, estufar peito como cantor profissional debaixo do luar prateado do sertão com ou sem afinação, não importa; importante é estar perto do mundão de amigos, olhar juntos os céus, as estrelas piscando bem pertinho dos olhos e quase que das mãos. Sentir o friozinho do giadão, esquentar os pés à beira da fogueira estalando e depois esperar o sol raiar bem lá na corcova das montanhas disputando com a lua cheia tanta beleza que dói de prazer a alma; e aí, vêm os passarinhos cantando e voando e rindo de tudo e do bruto ressacão. Hora de voltar, de descansar, curar a ressaca para trabalhar a semana inteira de tirar leite, de apartar a vacada, de tratar da cachorrada, de ver onde a galinha anda botando a produção e se as novas ninhadas já deram algum sinal de vida.
Vocês aí dessas imensas cidades que têm de tudo, muito desenvolvidas, hão de estar perguntando de onde eu sou. Pois é: sou mineiro, mais do cantinho do céu de São Vicente de Minas, do alto e dos fundos das montanhas, das beiras dos córregos limpinhos, desses ranchinhos de chão batido, dessas fazendas de gado leiteiro também de mangalarga marchador, desses rios que mais parecem cobras gigantes, que viram pra lá e pra cá, fingem que vão, mas voltam e depois vão mesmo; cheinhos de lambaris, piaus, dourados e mandis todos bons para comer fritinhos ou ensopadinhos. Aqui não tem edifícios altos que nem aí, mas há um mundo de casas cheias de gente boa, de gente prestativa, que corre nos pensamentos e nas intenções sempre de ajudar, mas anda bem devagarzinho nos rumos das outras coisas. Afinal, correr pra que, se nós já sabemos há muito tempo que correndo ou indo devagar vamos chegar do mesmo jeito?
Nessa nossa terrinha santa de São Vicente de Minas, nós temos mais progresso é nas gentes de bem que nem se comparam com as de vocês daí. Trancar porta e janelas aqui só é necessário para tapar o sol, a chuva, o frio e o vento. Ninguém fecha pra valer com trinco e chave, pois um amigo pode chegar e vai ficar muito mal não poder entrar da primeira. As visitas aqui são todas do peito e já de cara, logo na chegada, o que se escuta é a voz amiga dos de casa: - entra compadre. Vá chegando comadre! Senta, toma um cafezinho quentinho com pão de queijo e broa de fubá.
Enquanto vocês daí têm essas grandes avenidas cheias de problemas, entupidas de gente, ladrão, carro e sinal; nós daqui temos calçadão pra sentar, beber e prosear. Temos carnaval com desfile também fantasia, procissão pra rezar com fé, quadrilha nas festanças de São Pedro e São João, missa de sábado e domingo, enterro e sétimo dia, de mês, de ano e tudo. Também festa do Divino com missa e reza, procissão, barraquinha, leilão, forró ao luar com todas as gentes alegres mesmo no frio e na poeirada. Se chover, não há problema!
Temos exposição agropecuária de animação anual sem contar especial homenagem ao conterrâneo ausente! É festa quase duas semanas inteiras com trucada e boiada de qualidade nos leilões, disputa da vacada leiteira, bicharada, artesanato e cantoria das muitas duplas famosas desse Brasilzão afora. Ainda tem cavalgada pra Aparecida e outras bandas também. Ah, pra variar tem Macuco! Vocês sabem o que é isso? Podem ser duas coisas: um passarinho ou um bar bom de paquerar e dançar com aquela mulherada que vem de todos os lados. Se duvidarem, vão lá pra conferir; a Kátia não me deixará mentir.
Pra dormir, vocês pensam que temos barulhada? Nada disso! Nós aqui somos civilizados e muito respeitosos com sono dos outros. A não ser lá pelas bandas do Psiu Vem Cá, quando os fanqueiros botam pra quebrar ou a cachorrada vira-latas resolve latir a noite inteira; tem silêncio gostoso e o maior barulho que pode acontecer é a sinfonia dos sapos, dos galos, das corujas, o silvo dos morcegos e ao amanhecer bem cedinho, os bandos de pássaros, de maitacas passando bem apressados em busca de milho e jabuticaba docinha.
Vocês aí dessas cidades complicadas pensam que estão no mundo desenvolvido, que sabem de tudo melhor do que nós, mas estão muito enganados. Pensam que pra saber precisa estar aí nessa confusão? Nós sabemos muito mais, porque temos muito mais tempo pra pensar e filosofar. Aqui na nossa São Vicente do coração e das Gerais, não usa falar muito, quando o caso é sério. Aqui funciona mais é a imaginação e cada um entende o outro e só num simples olhar. O povo é bom de imaginação e na complicação deixa ficar como está pra ver como vai ficar. Aí, quando menos se espera, vem a solução... Nós mineiros somos assim: resolvemos as coisas é na calma e na sabedoria. Afinal, onde é que mais se confia desconfiando? Mas os mineiros vicencianos desconfiam mesmo é desses que aparecem de uma hora pra outra, como quem não quer nada, e vêm com umas prosas e jeitos esquisitos de estranhar.
Nossa....quanto mais penso em minha terra...mais eu me sinto honrado de ser parte dela!
ResponderExcluirBelo texto meu amigo....fico lisonjeado de ter um conterrâneo que saiba expressar a beleza e a pureza da nossa terra! São Vicente é o que Há!!
forte abraço