APRESENTAÇÃO


O conjunto de trabalhos que o amigo leitor encontrará aqui foi produzido ao longo de alguns anos. Não posso aqui precisar quantos, talvez uns vinte. A grande maioria deles publicada no jornal A TRIBUNA SANJOANENSE de SÃO JOÃO DEL REI (minha terra nanal) e NOVA MIDIA de BARBACENA; ambas tradicionais cidades históricas mineiras muito politizadas.

Obviamente há uma cronologia de publicação associada aos acontecimentos que inspiraram as respectivas reflexões. Depois de muito pensar, se deveria mencionar datas, resolvi aboli-las, pois achei que correria o risco de tornar seu passeio um tanto dirigido e até cansativo. Posso imaginar alguém lendo algo retratando fato acontecido há anos! Talvez se sinta entediado. Então, no intuito de instigá-lo, apresento uma miscelânea de trabalhos recentes e antigos, a fim de lhe subtrair, de propósito, qualquer direcionamento e deixá-lo livre para pensar, buscando no tempo, por si, tal associação. Acredito ainda que dessa forma esteja incitando sua curiosidade à medida que avance passos adentro. Sua leitura poderá inclusive ter início pelo fim ou pelo meio, que não haverá prejuízo algum para a percepção de que as coisas no Brasil nunca mudam. Ficará fácil constatar que a vontade política é trabalhada para a perpetuação da incompetência administrativa, obviamente frutífera para algumas minorias.

Penso que, se me dispus a estas publicações, deva estar antes de tudo, suscetível a criticas e, portanto, nada melhor que deixá-lo, valendo-se unicamente das informações contidas no texto, localizar-se na história. Caso não lhe seja possível, temo que o trabalho perca qualidade perante seu julgamento pessoal. Por conseguinte, acredito que isso não acontecerá; a não ser que o leitor não tenha, em tempo, tomado conhecimento dos fatos aqui retratados. Procurei selecionar de tudo um pouco; certamente sempre críticas, porém algumas muito sérias carregadas de um claro amargor. Outras, mais suaves, pândegas e até envoltas num humor sarcástico. Noutras retrato problemas da minha São João del-Rei. Até cartas para congressistas em Brasília há. E em alguns pontos, para abusar da sua paciência, introduzi coisas muito particulares. Críticas à parte, nessas, apenas falo de mim, afinal, apesar de amigos, talvez nunca tenhamos trocado impressões sobre coisas tão pessoais. . .

Aqueles que me conhecem há tempos, sabem que sou um obstinado por política, apesar de jamais tê-la exercido diretamente. Motivos houve de sobra e numa oportunidade poderei explaná-los. Todavia, do fundo do coração, afirmo que tal paixão tem como motor um doloroso inconformismo por ver o Brasil tão esplêndido e tão vilipendiado; vítima inconteste dessa cultura avassaladora de demasiada tolerância à antiética e à imoralidade na administração pública. Comprovadamente este é o pior dos tsunames com potencial para ter retardado nosso progresso mais de três séculos e grande responsável pela perpetuação da pobreza de metade da nossa população, pelo analfabetismo total e funcional, pela violência social e pelo abismo intransponível que aliena gigantesco contingente, maior que um quinto da população do continente sul americano. Diante do inaceitável absurdo, impossível me conformar em silencio diante dos atos e fatos que vão vergonhosamente enxovalhando nossa história e nos deixando como um gigante deitado sobre o escravismo que a Lei Áurea não foi capaz de abolir.

O título? Esse, talvez, seja o mais difícil explicar. GRITOS SEM ECOS representa uma espécie de pedido de socorro do náufrago, que sabe que de nada adiantará espernear, pois não há interlocutores, não há socorro, não há saída, não há conscientização; mas, assim mesmo, grita.

Será um prazer receber sua visita e ler suas opiniões, elogios ou críticas.

Forte abraço!



sábado, 13 de julho de 2013

JANELAS INDISCRETAS



JANELAS INDISCRETAS

            A cidade era o Rio de Janeiro dos anos setenta. Há quase quarenta anos o Rio já caminhava para o caos, mas nada que se comparasse aos gigantescos problemas sociais e estruturais de hoje. Com certo cuidado e alguma sorte ainda dava para se aventurar pelas madrugadas sem o risco de ser assaltado, assassinado, estuprado, trucidado ou seqüestrado. O Rio ainda era lindo de verdade!
            Numa daquelas noites de alto verão, quando o termômetro batia lá pelos trinta e oito graus e não havia cansaço capaz de arrefecer o desconforto e fazer meu amigo Zé Airton pegar no sono, um impulso arrebatador o fez se levantar e ir buscar um pouco de ar fresco no janelão virado para a Rua Voluntários da Pátria. Muitas janelas ainda abertas, certamente pelo mesmo motivo que atormentava meu amigo, ainda estavam de luz acesa, de modo que os prédios defronte enfeitados com tantos quadrados e retângulos brilhantes davam à paisagem certo ar festivo, além do tom solitário e morno.
            De repente, lá pelas tantas, quando o torpor da madrugada suada e quente já quase desmontava o sofredor e o sono se tornava maior que o calor, algo chama sua atenção de maneira arrebatadora. Num daqueles quadriláteros iluminados aparece a figura de uma mulher seminua, despreocupadamente se admirando no espelho de uma penteadeira que deliciosamente ficava exatamente à frente da sua janela de luz apagada.
Zé Airton não acreditou no que via. Esfregou os olhos uma, duas, três vezes; mirou novamente para se certificar de que não estava sonhando, beliscou-se algumas vezes e não teve dúvidas: era verdade! Aquilo só podia ser um presente do deus da madrugada. O sono se dissipou, o cansaço virou ânimo, o calor ficou mais fresco que a brisa das ilhas gregas e ele, como bom amigo que era, não podia deixar de dividir com os colegas aquela graça, aquele show televisivo da janela da vizinha exibida acesa na madrugada.
            Saiu correndo, torcendo para que a bela da janela demorasse no seu ritual de cuidados e poses femininas na frente do espelho e da janela e foi bater à porta do apartamento ao lado, onde moravam os amigos do peito, que àquela hora sonhavam, mas com outros anjos menos sublimes que aquele da visão arrebatadora. Passados poucos segundos lá estava uma turma de mais de vinte olhos compridos; considerando-se que dentre os dez não havia nenhum caolho, a bisbilhotar a janela, a vida e a mulher alheias. Naquela noite inesquecível, ninguém mais dormiu e o show que, assim como por encanto começou também acabou, quando a estrela do filme da janela apagou a luz e foi dormir.
            O frenesi foi total e geral. Ninguém falava noutra coisa por dias, até que Pedro Olívio teve uma brilhante idéia: comprar um binóculo de alta potência, que pudesse aproximar o anjo para alguns metros de distância. Uma vaquinha foi convocada e até os centavos da coca, do cinema, do ônibus, da cerveja; de tudo, foram desvirtuados para a aquisição da ferramenta bisbilhoteira. Várias noites passaram em claro e o retângulo antes mágico, agora maldito, da janela iluminada não mais acendeu. Será o que estaria acontecendo? Teria a bela da janela desconfiado de alguma coisa, viajado ou se mudado para outra janela iluminada? Se esse infortúnio aconteceu, quem seriam os novos felizardos das janelas opostas? Pelo menos descobriram que a tal inveja, esse sentimento vil, pode existir até na imaginação e de alguém que nem mesmo se conhece.
            Não havia mais sossego e para certeza de que não perderiam nenhum fortuito lance, dali por diante, montaram uma vigília noturna cumprida à risca numa disciplina militar. Um rodízio foi montado composto por ciclos de tempo que incluíam madrugadas e horas; de maneira que todos se revezassem sem prejuízo para alguém. Até que um dia, lá estava a visão inebriante enrolada na toalha exibindo-se e insinuando-se. A correria foi tamanha que quase deixaram cair o binóculo. Mas felizmente foi só um susto e a imagem ficou tão nítida que seriam até capazes de conhecer a garota na rua, se a avistassem. Foi possível perceber que ela portava uma pinta negra e grande do lado esquerdo da boca e também tiveram a certeza de que a exibição era proposital. Impossível tamanho despropósito; claro que ela sabia que havia uma turma de rapazes sedentos do outro lado da rua a poucas dezenas de metros de distância e de altura a observá-la.
            O show continuava! Vez por outra a janela se acendia e lá estava ela, de toalha branca, vermelha, azul e, para alegria geral, quando o calor era demais, nem toalha. A notícia correu a rua, o bairro, a cidade, o mundo inteiro! A turma se esqueceu do velho e sábio ditado: “o segredo é a alma do negócio” e um belo dia, quando todos nem sonhavam com vulcões e tempestades, uma hecatombe aconteceu. O interfone tocou; era o porteiro convocando Zé Airton à recepção. Um senhor, que se identificou apenas como Marcão, gostaria de ter com ele um colóquio de super-homem para homem. Zé Airton, na sua habitual malemolência calorífica e inocência de quem nada deve, chegou à portaria e se deparou com o maior mamute que já havia encontrado em sua vida. O cara, sem tirar nem por, era o próprio King Kong. Dois metros de largura era pouco. De altura, nem se fala! Ao se deparar com tamanho gigante, nosso Zé Airton quis retroceder, mas era tarde. O bruta monte já o havia agarrado pelo pescoço e o acendido até a altura descomunal dos seus olhos. Assim, cara a cara, Marcão com seu vozeirão de trovão decretou: - Se eu souber que continuam olhando minha mulher pela janela ou em qualquer lugar, vou esmagar todo mundo! Sacudiu o pobre nas alturas descomunais do seu corpanzil e o soltou de encontro ao chão sem dó nem arrependimento.
            Zé Airton, branco que nem filhote de camundongo, cheio de vergonha e dores, subiu correndo, a fim de dar a notícia para o resto da turma, que logo quis partir para uma revanche. O cara era muito forte, mas a turma era grande! Em vão! Mais tarde, ficaram sabendo que Marcão, além de grande e forte, era campeão de Boxe da liga dos pesos pesados. Não havia chance e o jeito foi esquecer o anjo da janela acesa no calor da madrugada carioca.
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Diante da estória acima cabe a pergunta:
Quem estava com a razão: Marcão, o King Kong ou a turma do Zé Airton e seu binóculo bisbilhoteiro?

            Enquanto a discussão se avoluma, usarei a mesma estória, a fim de construir um paralelo com a espionagem dos americanos sobre o nosso quintal. Todos estão cansados de saber que a gema das informações importantes são segredos estratégicos, dentre eles militares, comerciais, científicos e tecnológicos. Onde estavam os nossos Marcões e Zés Airtons governamentais, que de maneira leniente nunca pensaram que a chave do galinheiro não deve ficar sob a guarda da raposa? Agora, que a casa caiu, vão tomar providências cabíveis? O Brasil é assim, desde a nossa colonização sofremos essas ingerências e não aprendemos a nos posicionar fortemente.

            Enquanto isso não acontece e continuamos dormindo eternamente no berço esplêndido, envio meus parabéns para os americanos, que trabalham em defesa dos seus interesses e uma sonora vaia para os traidores que recebem nosso voto e gozam da nossa cara, enquanto apenas fingem que trabalham três dias por semana em interesses pessoais e deixam o Brasil enfraquecido e à deriva no oceano de incertezas futuras.

ANTÔNIO KLEBER DOS SANTOS CECÍLIO.

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