Apesar da expansão do conhecimento
científico ser irreversível, não só pela necessidade humana de questionar como
também pela sua característica cumulativa, o processo de desenvolvimento nunca
foi uniforme e sempre apresentou ritmos e níveis variados nas múltiplas regiões
da terra. Certamente por isso, foram necessárias dezenas de séculos até que as
conquistas científicas se consolidassem e passassem a fazer parte do dia a dia
nos diversos campos da atividade humana. Após todo esse longo período, somente
a partir do início da era industrial, há menos de trezentos anos atrás, a
dinâmica da vida começou a sofrer maior aceleração.
Não é necessário que nos afastemos
muito no tempo para nos lembrarmos que era muito comum, até há algumas décadas,
pessoas nascerem, viverem e morrerem na mesma cidade, na mesma rua e até na
mesma casa. Assim também acontecia com os grupos de amigos que eram os mesmos
por toda a vida; e dentre velhos amigos muitos enlaces aconteciam; mesmo até
entre parentes próximos, devido à dificuldade de locomoção nas vastas
distâncias que separavam os núcleos habitacionais; assim como também pela quase
impossibilidade de comunicação, os círculos de convívio eram limitados. Filhos
constituíam família e continuavam vivendo próximo aos pais, que por sua vez
também não se afastaram dos seus pais. As famílias cresciam sem se separar e serviam
umas às outras com suas produções caseiras artesanais, que não demandavam
grande quantidade de energia nem logísticas de transporte capazes de levar
produção a outros núcleos populacionais longínquos.
Os núcleos humanos eram espécies de
ilhas na vastidão, cada qual com seus costumes, cultura e ritmo de
desenvolvimento. A precariedade tecnológica nas comunicações limitava o fluxo
de informações e, considerando-se que a troca de informação é matéria prima
para a criação de mais necessidades e riquezas, à medida que não se comunicava,
não se conhecia detalhadamente o que acontecia distante algumas léguas e assim,
o ritmo da criação de novas necessidades era pequeno. As mesmas
necessidades permaneciam por décadas na cultura local, fazendo com que as
pessoas duma geração presente se comportassem, se vestissem, pensassem e
tivessem os mesmos objetivos e sonhos daquelas de várias gerações passadas.
Fácil perceber isso, quando diante de fotografias históricas, observamos
personagens separadas no tempo por décadas ou até séculos se vestindo
praticamente da mesma maneira usando sobretudos sóbrios, grandes chapéus e vastos
bigodes; sobre cavalos e carroças; cabelos encaracolados bem penteados à moda
rococó; mulheres obesas, vestes longas e escuras; teses sérias, sapatos pretos
fechados; posturas recatadas.
Como diria o poeta: “o tempo não
para e com ele caminha a humanidade";
então o tempo passou! No seu passo largo foram varridos os pequenos núcleos
populacionais que não só cresceram como também expandiram o leque de necessidades.
Maior população passou a exigir mais espaço físico à custa do aumento das invasões
de reservas virgens e da alteração irreversível de ecossistemas importantes com
mais consumo de água, de alimentos, de energia, de maquinário e implementos.
Consequentemente maior produção de detritos poluentes, dentre eles os mais
perigosos e problemáticos: o químico e o sanitário altamente contaminantes e sépticos.
Conseqüências dessa nova realidade,
cuja dinâmica exigia mais eficiência dos processos, a fim de atender com maior
rapidez o constante crescimento da população e das suas demandas de consumo, logo
surgiram na ordem direta e proporcional. A principal e que veio causar maior
impacto foi o aumento da interatividade entre os núcleos sociais, antes auto-suficientes,
mas agora dependentes uns dos outros. Construiram-se novas estradas,
incrementaram-se os meios de comunicação, houve maior trânsito de pessoas e as
relações, antes restritas a pequenos núcleos, agora se expandiam velozmente e
em progressão geométrica e assim cada vez mais espaço físico e recursos
naturais foram sendo demandados, cada
vez mais e mais velozmente.
Hoje, sob avanço das modernas
tecnologias nas comunicações globais e a medicina preventiva funcionando como
vetor de monitoramento da saúde de maneira muito eficiente, o mundo
transformou-se numa aldeia integrada e habitada por uma legião crescente de
humanos. Há preocupante expansão em três pontas: na primeira, assistimos a uma
avalanche de nascimentos pululando a cada minuto. Na segunda comemoramos o
fenômeno do aumento da longevidade e na terceira a forte influência do modismo
consumista. A densidade demográfica e a média de idade das populações globais crescem
a cada década resultando num contingente humano de dimensões gigantescas e em contínua
expansão. A cada dia maior é a demanda por recursos de um planeta pequeno, que
já vem dando sinais de esgotamento e saturação iminentes.
Portanto aí reside um perigoso contra-senso:
enquanto o planeta entra em coma e pede socorro, por outro lado aceleram-se os
processos de produção, agressão e desequilíbrio. Afinal como atender em tempo e
hora às necessidades de uma população gigantesca e que não dá sinais de parar
de crescer? A indústria, os meios de produção e as reservas naturais estão sob
pressão crescente para gerar trabalho e opções de sobrevivência com melhor
qualidade para todo um mar de gente. Instalou-se então a era da alta tecnologia
embarcada em produtos descartáveis, que devem durar pouco com o propósito da
substituição rápida. Nada pode durar muito, pois a obsolescência precoce é a
engrenagem que gera novas necessidades e novos produtos para satisfazê-las e
nessa esteira, gerarem-se novos empregos, para novos trabalhadores, que entrem
no mercado de trabalho a cada ano.
Por outro lado, a rápida
transitoriedade de coisas e pessoas causa impacto negativo nas estruturas sociais
devido à grande competição. Indivíduos vivendo em um campo muito competitivo
geram altos níveis de adrenalina devido à exposição constante a novas e severas
emoções. O fenômeno já é considerado por alguns cientistas como responsável pela
pandemia de doenças secundárias, dentre elas: depressão, hipertensão, cardiopatias
e algumas degenerações graves como o câncer. Sobre o fenômeno existem teorias
científicas postulando que, à medida que o homem perde seus referenciais característicos
da vida pacífica e quase imutável, também fica mais vulnerável às
instabilidades emocionais oriundas das constantes e aceleradas mudanças no modo
de viver. Ou seja, a sensação da imutabilidade de um processo de
desenvolvimento quase inerte gerava paz e segurança pela maior sensação de
controle dos ambientes interno e externo. Paz e segurança são fatores responsáveis
pela boa saúde.
Infelizmente a humanidade até aqui
baseou seu crescimento em fontes
energéticas altamente poluentes por causa da relativa facilidade na sua
obtenção. Contudo, apesar da crescente conscientização de que é passada a hora
da introdução de alternativas limpas; ainda não se desenvolveu algo substitutivo
com potencial equivalente às velhas, sujas e perigosas opções oriundas do petróleo,
do carvão e da energia atômica. Ultimamente com o aumento da preocupação com o
problema, criou-se o termo “sustentabilidade”, a fim de caracterizar a
necessidade da criação e introdução de novos manejos relacionais com o meio
ambiente, que respeitem ao máximo o equilíbrio das estruturas naturais dos
ecossistemas. Entretanto, apesar das campanhas de conscientização, da
introdução de leis mais rígidas e da fiscalização severa, ainda assim muitas
barreiras tecnológicas, políticas e financeiras continuam contribuindo para a
exposição do meio ambiente às agressões provindas do veloz progresso científico
e industrial moderno.
Enfim, a humanidade está num
impasse, que se não resolvido rapidamente poderá levar a vida ao colapso em
poucas décadas. No entanto, em minha opinião, existem apenas duas saídas para
que a sustentabilidade não se transforme
num devaneio utópico com resultados inúteis. Primeiramente, a substituição
total das fontes sujas para geração de energia e, com tanta emergência quando a
primeira: a introdução de políticas severas de controle da natalidade em todos
os quadrantes do planeta, inclusive nos países ricos. É impossível brecar a
conquista da alta longevidade, mas é perfeitamente possível frear o frenesi reprodutivo
e assim limitar a entrada de novos consumidores para a divisão do pequeno,
limitado e finito bolo ao qual conhecemos como Terra.
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