Na edição passada desta coluna*, cujo título é: cada povo tem a mídia que merece, refletimos sobre a missão da imprensa brasileira como guardiã das bases democráticas e sua responsabilidade no aprimoramento da cidadania através de programas e campanhas que incutam valores nobres na mentalidade popular.
Na intenção de dar seqüência ao tema, tornei-me um noveleiro de carteirinha e diariamente às vinte e uma horas em ponto estava plantado na frente da televisão para assistir a mais uma das hipnóticas aventuras da famigerada Carminha e sua sede de levar vantagem a qualquer custo. Capítulo a capítulo, a megera golpista conquistou em massa os telespectadores a ponto das pesquisas apontarem quase cem por cento de audiência fiel ao canal global naquele horário.
A memória do telespectador é volúvel e a maioria de nós já se esqueceu que o fenômeno se repete a cada novela em que vilões estão sempre a dar asas a seus egos doentios implacavelmente massacrando pessoas inocentes, indefesas e bem intencionadas. A fórmula para cativar a audiência nunca muda. A cada nova temporada alternam-se autores, elencos, equipes e cenários, mas o tema central é sempre o mesmo. Qual o motivo da fixação dos autores e produtores em massacrar o telespectador com histórias de miséria humana nada recomendáveis à saúde mental de alguém, muito menos de crianças e adolescentes em fase de formação? Estariam eles tentando reforçar uma espécie de cultura nacional por entenderem que nossa sociedade já esta doente e que em cada esquina existe um maluco querendo destruir alguém ou seriamos nós, os telespectadores brasileiros, donos do maior mau gosto do mundo, contaminados por uma espécie de desequilíbrio sádico? Em outra hipótese o sadismo ou qualquer outra má intenção poderá estar morando na cabeça deles, incapazes de enxergar na sociedade brasileira quaisquer qualidades que mereçam retratação positiva.
É sabido e notório que sangue e dor sempre tiveram grande poder de encantamento, desde que seja nas entranhas dos outros, pois ninguém é louco o bastante para se comprazer com o próprio desalento. Seria essa a causa central que canaliza a atenção dos produtores dessas lamentáveis tragédias? Pode ser que sim, pois é muito mais fácil reforçar uma tendência natural do que preparar terreno para semeaduras mais nobres. Obviamente é do conhecimento de todo mundo que produzir chanchadas custa muito mais barato que obras primas, porque a chanchada é como um barco sem motor lançado na correnteza. Demanda menor esforço e mais cedo ou mais tarde, com certeza, atingirá a mansidão do lago dos milhões na conta bancária. Ademais, a preocupação de qualquer investidor é ver seu investimento retornar bem rápido, com o menor risco possível, de preferência acrescido de um polpudo lucro. É exatamente isso que acontece, quando divulgam essas produções repetitivas, que não primam pela criatividade, nem pelo respeito à saúde dos nervos do telespectador.
A justificativa corrente é a que estão mostrando o que o povo quer ver.
Em outras palavras: se o povo vive tragicamente sofrendo pela falta de ética, pela descompostura, mergulhado no desrespeito, humilhado na desigualdade social, escravizado pela tirania de governantes corruptos, injustiçado na inoperância das instituições públicas; não é problema de quem trabalha na mídia ou com a mídia; cabe ao governo a missão de resgatar o telespectador da profunda ignorância, porque educar é apenas tarefa do Estado. Esta é uma grande e criminosa mentira partindo do princípio de que o principal valor intangível atribuído a qualquer pessoa, física ou jurídica, é primar pela conduta sóbria e ética, compromissada primeiramente com o bem estar social, com a construção do futuro auspicioso das gerações futuras e isso passa pelo resgate das gerações presentes. Quando passa-se todo o tempo a vangloriar vilões, suas transgressões podem ser entendidas como valores verdadeiros e virarem moda. Esse é o grande perigo ao qual a mídia brasileira, principalmente a televisiva, vem expondo a sociedade, em grande parte composta por indivíduos despreparados para saber separar o joio do trigo.
Uma dolorosa dúvida assanha minha curiosidade! Dos milhões de telespectadores, dentre eles menores em fase impúbere, quantos entenderam corretamente a verdadeira intenção da crítica abordada em Avenida Brasil? A Rede Globo, muito bem soube e sabe trabalhar seus lançamentos em grande estilo, merecidamente jogando confetes e abrindo o tapete vermelho para seus talentosos atores. Ao longo do desenrolar das histórias trágicas e baratas se preocupa e se ocupa em criar suspense, a fim de manter em alta a audiência, como também em alta o custo dos anúncios no disputado horário nobre. E finalmente se delicia com o sucesso a ponto de dedicar um programa importante como o Globo Repórter, com o fim de louvar o brilhante trabalho da equipe que bravamente desempenhou diuturnamente o árduo trabalho de dar vida às personagens com a maior realidade possível. Muito bom e louvável com apenas uma grave falha: sempre se esquece de acrescentar no processo um bloco dedicado ao esclarecimento do que está implícito na crítica para que o desavisado telespectador não confunda alhos com bugalhos ou heróis e cabras.
Deviam ter reforçado que Carminha e Max na vida real são vítimas, personagens do dia a dia na miséria material e espiritual, habitantes desse país desgovernado por homens, na sua maioria, irresponsáveis, desonestos, descompromissados com a verdade, com á ética, com qualquer coisa que não seja seus próprios botões. Uma sociedade que tolera e aceita seres humanos vivendo em lixões, convivendo com porcos e bandos de urubus famintos, à margem de tudo, sem família, nome, identidade, direção, educação, dignidade. Sem futuro à altura de uma nação que se auto-intitula país do futuro, celeiro do mundo e outras bobagens condizentes com a pobreza de espírito e falta de competência desses intrépidos idiotas que elegemos para nos governar a cada quatro anos. Não estamos aqui a criticar o Brasil e suas potencialidades, defeitos ou qualidades, mas a eficácia dos nossos nobres predadores, que nos cobram a maior carga tributária do mundo e nos devolvem monstros humanos como os retratados pelo autor em Avenida Brasil.
É fato que a indústria telecinematográfica brasileira já mostrou competência técnica para ascensão internacional, assim como nosso elenco de atores, atrizes e demais; nada ficando a dever aos americanos de Hollywood, os melhores do mundo na arte da teledramaturgia. Entretanto, há uma fundamental diferença entre as produções americanas e as brasileiras. Aquelas sempre funcionaram como importante veículo de promoção da imagem dos Estados Unidos como líder mundial e bom lugar para se viver. Nunca se cansaram de criar heróis, ainda que estes não fossem tão politicamente corretos. Do velho justiceiro John Wayne, combativo cowboy do far west, incansável defensor da lei e dos mais fracos, ao herói Rambo, um veterano do Vietnã e ex-Boina Verde, sempre demonstraram cuidado especial em não dar brilho a vilões contrários à estratégia de enlevar o orgulhoso nacionalismo do povo americano e a se firmarem como líderes mundiais. A isto chamamos educação moral e cívica trabalhada de forma sutil, mas claramente útil e objetiva. Não estamos aqui a discutir o mérito da questão, mas o fim ao qual se aplica. Intrigantemente, não é difícil perceber que, ao contrário, nossas produções tendem com muita freqüência a retratar defeitos vergonhosos que denigrem a imagem do país e em nada colaboram no incentivo ao culto do honra de ser cidadão do Brasil.
Se um dos nossos maiores gostos é imitar os gringos americanos em tudo que não presta, o que nos impede de imitá-los também no que presta? Basta maior interesse da mídia em difundir valores éticos de personagens mentalmente saudáveis, mais habilidade na escolha de temas, maior criatividade nas abordagens, mais comprometimento com o orgulho de ser brasileiro e com a imagem do Brasil que desejamos para nós e para nossos descendentes, pois jamais seremos grandes sem um povo altivo, consciente do que seja o exercício da cidadania plena e da responsabilidade de ter nascido no “Brasil; pátria amada mãe gentil” para alguns, porque ainda há outros milhões de Carminhas e Maxueis vivendo no lixão, passando fome e humilhações, se preparando para as próximas novelas da vida.
*edição do mês de outubro do Jornal Nova Mídia de Barbacena onde foi publicada a reflexão "CADA POVO TEM A MÍDIA QUE MERECE", publicado também neste blog no espaço anterior a este - role a barra e cofira -
Realmente se vê no Brasil as emissoras falando tanto sobre a tal liberdade de impressa, pois também acho que o único meio de nos mantermos informados do que se passa nesse país, principamente no seu gorveno é de fato a impressa!
ResponderExcluirMas, também deveria se exigir da mesma o mínino de responsabilidade! Pois isso não há o mínimo!
Jonas Leite