A família, como instituição básica na formação da personalidade, da estrutura cognitiva e emocional, é o primeiro círculo de convívio do ser humano, compreendendo como tal pais, irmãos, avós, tios, primos e desde a mais tenra idade incutem-se na cabeça da criança os importantes valores humanísticos que esses atores representam.
Mais tarde, entram em cena ícones religiosos e passa-se a entender a idéia de Deus e seus valores intrínsecos pela força da fé, pois somente através dela se é capaz de processar imagens abstratas e independentemente da cultura a criança poderá absorver tais conceitos, ainda que de maneira lúdica. Gradativamente o círculo de convivência começa a se expandir sobremaneira com a entrada em cena dos amigos, primeiramente os vizinhos, depois os escolares e, à medida que o indivíduo amadurece suas relações sociais ampliam-se estando seu círculo social em contínua expansão.
O convívio social é uma via de mão dupla onde a dinâmica da convivência exige respeito mútuo e para isso regras são estabelecidas segundo a cultura local e seus paradigmas. No campo religioso exigem-se disciplina, submissão, doação e outras normas que vão estabelecer limites aos naturais impulsos do animal que habita o ser humano. Em assim sendo o indivíduo começa a sofrer certas restrições em prejuízo da sua liberdade e individualidade, mas ainda será possível resgatá-la em parte ou pelo menos se tem essa sensação, uma vez que ele seja consciente de que o convívio social é flexível, pois amigos podem ser admitidos ou descartados do seu grupo de convívio; assim como o estado de fidelidade a valores religiosos também seja perfeitamente renunciável em conseqüência de que ninguém esteja obrigado a se submeter a nenhuma regra pertinente a qualquer religião, obviamente considerando-se estados laicos e democráticos. Portanto, convive-se em determinado grupo ou cultuam-se valores religiosos até o momento em que sua prática e dinâmica sejam prazerosas ou compensadoras.
Mas a coisa começa a se complicar bastante, quando lhe incutem e impõem valores cívicos. Logo nos primeiros anos escolares aprende-se a desenhar a bandeira nacional, cantarolar o hino da pátria e adorá-la acima de tudo, até de Deus. Numa perfeita lavagem cerebral, incute-se no impúbere a idéia dadivosa de que a Pátria será sua mãe gentil por toda vida e que, se necessário, doará a vida em sua defesa.
Ora; sua família à qual ele deve a vida e formação, jamais lhe pediu ou pedirá tamanho sacrifício! Deus, muito menos. Amigos, certamente nunca lhe pedirão tal barbaridade. Mas sua pátria sim; essa, desde cedo, lhe exigirá o sacrifício extremo em nome dos seus interesses e defesa, ainda que tais interesses sejam implícitos e sórdidos, negociados na calada da noite por certos canalhas desprovidos de qualquer mínima envergadura ética e moral, trabalhando em defesa de interesses ilegítimos de minorias privilegiadas. O presidente americano John Kennedy, certa vez, num discurso antológico proferiu a célebre frase: - “Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti; pergunta o que tu podes fazer por ela.” Pura lavagem cerebral exatamente na pátria gentil que mais envia seus jovens ao calabouço das guerras fúteis em nome de um ideal megalomaníaco de expansionismo material, cultural, subordinação e dominação de outros povos, na maioria das vezes indefesos e inocentes.
No Brasil a lavagem cerebral torna-se ainda mais absurda diante das injustiças que a mãe gentil comete com seus filhos. Um país que produz o sexto produto interno bruto (PIB) do mundo na contrapartida de um índice de desenvolvimento humano (IDH) inferior ao de quase todos os países a América Latina ou semelhante à maioria das nações africanas. Uma nação que finge desconhecer que um quinto dos filhos discriminados vive abaixo da linha de pobreza ou que não se envergonha de manter grande parte de seus idosos aposentados no esmagamento torturante do empobrecimento continuo, enquanto que uma casta desses mesmos idosos se dá ao luxo com altos salários, somente porque ocupou cargos públicos em instituições governamentais que ostentam baixíssimos índices de eficiência, se comparadas às do setor privado. Uma pátria desnaturada que não dispõe aos seus jovens escolas de qualidade, a fim de mantê-los como reses manipuláveis, conquanto acene com um sórdido assistencialismo insano que dá com uma mão e tira com a outra no embalo da carga tributária mais elevada do mundo.
Pátria mãe hostil, rebelde, opressora, insolente e desobediente às condenações judiciais, mantendo inocentes indefesos definhando na expectativa de receber direitos transitados e julgados legalmente, portanto, legítimos; na contrapartida mantendo uma casta de políticos inúteis e inumeráveis servidores públicos nababescos atrelados a um sistema gerencial público perdulário e ineficiente.
Mãe carnívora que empobrece seus filhos com tributação em cascata e os atende como animais em hospitais semelhantes a abatedouros; que trata professores como meros idiotas; que com o peso de sua pata de ferro esmaga empresas saudáveis roubando-lhes a saúde financeira e a competitividade, enquanto poderia investir em suas potencialidades as fortificando com políticas desenvolvimentistas, para que competissem em igualdade de condições nos concorridos mercados doméstico e internacional, assim incrementando de maneira justa a geração de impostos e ainda, de quebra, criando condições para a geração de milhões de empregos sustentáveis.
Finalmente, no fim da sua vida, sovado de tanto pagar e pouco receber, velho e cansado, pensa que é dono do seu parco patrimônio construído à custa de suor, muito sufoco, planejamento e economia; se esquece que tem um herdeiro bastardo, aquele mau agouro parasita que não lhe ajudou em nada. Quem será ele? Sua pátria amada e mãe gentil, sem dó nem piedade, lhe abocanhará um grande naco dos bens, numa voracidade canina. E ainda dará a ganhar a um bando de abutres bem aventurados pela sorte das dinastias cartoriais instaladas no país desde tempos coloniais. Jamais se esqueça ainda que as agruras da pobreza que humilha e castiga, sua indigna baixa renda, a falta de oportunidades acadêmicas e profissionais ou as humilhações que sofre pelos descaminhos da pátria são culpa da mãe gentil, que deu tanto para poucos; quase nada lhe sobrando.
Deixe-nos em paz gentil verme que coroe a esperança; que esgota a paciência; que é compassiva com os fortes e inquisitiva com os fracos; que coloca em risco o sucesso da descendência; que normatiza, mas não racionaliza; que se enriquece, mas não é equânime; que promete, mas não cumpre; que é leniente com sua súcia de mercenários e caudílica com quem trabalha duro dentro dos parâmetros da ética e da lei. Não amamos esse carrasco que trucida e pouco dá em troca.
Amamos sim nosso Brasil brasileiro, suas mulatas e mulatos faceiros, cheios de graça e fantasia no samba gingado do carnaval; amamos sua maravilhosa simbiose racial colorida de paz e respeito mútuo; amamos seu esforço hercúleo à democratização e detestamos sua ditadura econômica cruel, desleal e assassina; amamos nossos heróis, os brasileiros justos, a natureza tropical, o hino nacional, os contrastes continentais, a alegria nata, o folclore, o nordeste, o norte, o sul e o coração pulsante do sudeste paulista, mineiro, carioca e capixaba. Amamos os milhões que despertam antes do sol; amamos a gigantesca e intrigante Amazônia com seus segredos e riquezas por desvendar, as chapadas e sua biodiversidade, os côncavos e os convexos mineiros. Somos apaixonados pelo chão fecundo que em se plantando tudo dá, por Copacabana, pelas Cataratas do Iguaçu, pela agitação e motricidade da Paulicéia desvairada, por Floripa e sua eletrizante juventude, pelo futebol pentacampeão, pela racionalidade Curitibana. Embalamos-nos no bailado do frevo e do baião e nos encantamos nas festas de Congado, de São Pedro e São João. Refrescamos-nos e nos enamoramos à beira das lareiras das neves do sul e nos aquecemos no calorão Mato-grossense.
Enfim, somos brasileiros, temos família, acreditamos em Deus, convivemos com os amigos que amamos e damos a vida por esse Brasil divino, mas abominamos a Pátria odiosa, essa mãe hostil a serviço de espoliadores. Essa, digna de ninguém; a deixamos passar na cadência tétrica do luto, sem honrarias, nem folguedos.
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