Pasmos pela afirmativa hilariante que encabeça o texto, não há nada a fazer além de soltar boas gargalhadas e perguntar quem foi o autor da aberração. Preferível não acreditar que este libelo da cultura científica brasileira tenha sido enunciado por um estudante desses formados nas nossas escolas públicas e particulares e pinçado de uma das provas do ENEM. Se alguém ainda continua rindo e nem pensou em chorar; diante da próxima, certamente terá uma síncope mental: “Os pagãos não gostavam quando Deus pregava suas dotrinas e tiveram a idéia de eliminá-lo da face do céu".
Diante dessas alegorias que não serviriam nem para se estampar numa faixa do “bloco do boi da cara preta” no carnaval, todos da esfera governamental se manifestam lenientemente e a imprensa se mantém muda e surda ou talvez o inverso calasse melhor: “surda e muda” porque quem não ouve não fala. O problema é que existem dois tipos de surdos: os de nascença e os dissimulados, sendo que os segundos são os perigosos.
Obviamente que não seria ajuizado ou justo minorizar a atuação da imprensa na sua função sagrada de funcionar como espírito da democracia. O ato de informar é a seiva que mantém viva a cultura democrática pelo seu poder de conscientizar os cidadãos em vista dos problemas que o acercam contribuindo ainda, para manter aplacada a ação de corruptos ou de pretensos ditadores, que, porventura, venham a se arvorar ao poder pela força do golpismo. Por isso a aversão dos ditadores à ação da imprensa com seus holofotes indiscretos e perscrutadores.
Contudo é preciso que a sociedade esteja atenta, pois nem a imprensa esta imune às investidas sutis dos donos do capital, que, muitas das vezes, são também detentores do controle dos meios de comunicação e é exatamente a esse viés comercial ao qual me refiro. Objetivos capitalistas nem sempre viajam ao lado da ética e por isso muitas das vezes se esquecem de respeitar o tênue limite entre os interesses da sociedade democrática e os interesses próprios, que normalmente envolvem a ânsia de ganhar dinheiro através da massificação da opinião pública em torno de valores pobres que não acrescentam nada ao desenvolvimento cognitivo das crianças nem ao aprimoramento da consciência cidadã. O virtuoso pensador Nelson Rodrigues certa vez alertou que: “toda unanimidade é burra” isso porque nesse contexto ninguém faz diferente, ninguém cria, ninguém discute, ninguém é instado a pensar, pois as idéias são fornecidas previamente trabalhadas e prontas; só cabe às pessoas aderirem como burros tracionando a carroça. Criam-se então os modismos no vestir, no andar, no proceder, no falar e é aí, nesse campo fértil, que os capitalistas jogam suas cartas com programas de baixa qualidade carregados de impulsos à manipulação comportamental dirigida ao desenvolvimento da ânsia consumista, esquecendo-se de que todo empreendimento antes do lucro deve ter como meta precípua o bem comum, que neste caso é fiscalizar, denunciar e educar. Contudo educar não é interessante sob o ponto de vista econômico, pois seria como remar contra a maré, enquanto que exibir o que esta em consonância com a moda encaixa exatamente com o que as pessoas querem ver, deste modo não requerendo grande investimento em qualidade e tornando-se menos dispendioso proporciona maior lucratividade. O sinal mais forte desse sintoma é que todos os bons programas da televisão e do rádio brasileiro são exibidos em horários de baixa audiência – de madrugada, noites de sexta feira ou nas primeiras horas da manhã – faixa que esta fora do foco dos grandes anunciantes. Os horários considerados nobres, pelo contrário, estão poluídos do lixo eletrônico capaz de embotar consciências despreparadas e mentes em formação. Aí prevalece um contra-senso, pois diante do conhecido baixo nível educacional da sociedade, haveriam de exibir programas com potencial para educá-la. Do contrário fazem-se eco com a pobreza intelectual.
Todavia os controladores da grande mídia ainda não estando satisfeitos com tamanha distorção e liberdade de ação, ainda querem mais. Estão em tiroteio cerrado contra a censura que exige horários adequados para a exibição de programas inadequados e outro dia a nação brasileira e os homens de bem desta tiveram o desprazer de ver juizes da suprema corte defenderem convictamente, em entonação populista inapropriadas àquela tribuna, a supressão da censura com o argumento de que “não cabe ao estado arbitrar sobre a liberdade alheia e que aos pais deve-se atribuir a missão de escolher o que seus filhos devem ver”; e ainda mais: “que o povo brasileiro é cônscio dos seus direitos e responsabilidades, não necessitando do arbitramento estatal”.
Nós cidadãos de bem, os quais pagam àqueles juízes vultosos salários para defenderem a Constituição, declaramos que concordaríamos com esse ponto de vista, se todos os cidadãos brasileiros, independentemente de raça, sexo, cor, credo e ideologia política fossem governados por um estado plenamente cumpridor dos preceitos constitucionais que rezam igualdade de direitos e deveres para todos e a todos fosse oferecida educação de qualidade, com professores ganhando salários de juizes pela sua nobre missão de educar – não menos nobre que a de julgar – pois, aí sim, teríamos pais verdadeiramente preparados para selecionar o útil e conveniente para seus filhos. Por outro lado, ninguém em sã consciência pode afirmar que o escalonamento de horários seja tão forte e repressora censura capaz de cercear duramente a liberdade de alguém. Se os níveis de liberdade devessem ser assim tão amplos, o estado não deveria cobrar impostos, nem as rodovias deveriam se dividir em duas mãos e as esquinas não teriam semáforos. Afinal o estabelecimento de limites é um remédio salutar ao convívio e ao desenvolvimento mental e social comprovado cientificamente. E é bom que não se esqueçam que o mercado de trabalho, destino final de todos os jovens, em nenhuma circunstância, tem limites de tolerância tão elásticos quanto a democracia libertina que estão tentando implantar no Brasil, aonde se tem observado muito maior preocupação com o conjunto de direitos do que com o de deveres.
Penso ainda que deixar os jovens filhos de país despreparados ao sabor do bombardeio mental precoce possa se configurar num sórdido tipo de exclusão, que poderá perpetuar-se por décadas e que o maior sintoma desse despreparo seja as pérolas científico-teológicas acima citadas. Lembro que a parcela da sociedade que esta incomodada com esse nível de censura é muito pequena e que a esmagadora maioria gostaria mesmo é de ver os políticos fichas sujas atrás das grades, banidos de vez do direito de ocupar cargos públicos e se possível mídias que respeitassem mais a formação cívica, ética e mental dos seus filhos.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal cometerá grave equívoco, se, apenas baseado num devaneio utópico e populista de que a totalidade da sociedade brasileira esta preparada para escolher seus destinos, vier a ordenar o banimento da censura a programas inadequados no exato momento em que os índices estatísticos apontam uma terrível carnificina na faixa etária entre doze e vinte e cinco anos tendo a violência como efeito colateral do tráfego de drogas, da fome, da miséria, do desemprego; triste realidade agravada pelo desestímulo, baixa estima, alta evasão escolar e ainda, pelo abandono de filhos por pais ineptos, que um dia também foram crianças abandonadas pela família e pelo Estado.
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