A FESTA DOS ÓRGÃOS E O FORO DESPRIVILEGIADO
A medicina costuma considerar órgãos vitais como nobres. Cérebro, coração, pulmões, rins, fígado fazem parte da lista dos fundamentais à vida. Sem eles nenhum mamífero, ave ou réptil viveria. Contudo, mesmo em condições precárias, é possivel viver sem olhos, ouvidos, mãos ou pés.
Baseado nessa obviedade um desses desocupados de boa imaginação inventou a lenda da festa dos órgãos. Segundo conta-se, marcou-se para data qualquer a festança. Claro, os órgãos nobres, que nem pensavam em se misturar à plebe, ficariam em camarotes especiais onde seriam servidos com pompa.
Apesar dos veementes protestos, passeatas e conturbações, ficou determinado que indivíduos dispensáveis ficariam na segunda classe, onde há menos mordomias, nutrientes e maiores cuidados. Orelhas, mãos, pernas, pés e dedos tinham duas opções: ficar do lado de fora ou aceitar a humilhação. Preferiram participar da festa.
Mas alguém ficara de fora, porque nem mesmo fora convidado. Absurdo incluir indivíduo de tão baixo escalão. Este era o anus. Muita pretenção alguém tão desprezível pensar em participar de acontecimento tão pomposo.
A festa aconteceu e tudo correu como planejado. Sucesso total! Mas o anus não se contentando com tamanho desprezo tramou dura retaliação. Depois de muito pensar resolveu parar de funcionar e entrou em greve. Alguns dias depois o organismo entrou em colapso e nada funcionava direito. A cabeça doía, o estômago ficou inchado, o coração acelerou, os rins obstruíram-se e uma embolia pulmonar estava prestes a acontecer. Pernas e braços não se aguentavam. Os ouvidos ficaram surdos.
Marcou-se uma reunião de emergência e a conclusão foi unânime: desprivilegiar o anus foi erro fatal. Outra festa fora marcada às pressas, o anus convidado especial e logo tudo voltou a funcionar bem como sempre.
Se o prezado leitor riu, agora vai chorar. Usei essa fábula idiota só para lhe mostrar sua pequena importância. Sem você o Brasil não seria uma nação, a sociedade não existiria, os herdeiros da nacionalidade não nasceriam, não haveria empresas, nem produção, nem progresso. Politicos picaretas seriam ilustres desempregados e, no entanto, seu foro é o do desprezível anus, o desprivilegiado. Você é o dono da festa, nem mesmo o convidam, gozam da sua cara e no final ainda paga a conta.
Vivemos no Brasil a maior inversão de valores da história. Dizem que vivemos numa democracia. Entretanto este sistema ao qual estamos submetidos pode ser tudo, menos democracia. O espírito democrático preconiza que o poder emane do povo, sirva ao povo e para o povo trabalhe; entretanto o que se oferece ao povo são restos, sofrimento, miséria, humilhação, zombaria, mentiras e ideologias políticas populistas parasitárias e ultrapassadas, que nunca deram certo em lugar algum.
Somos verdadeiramente considerados pelos exploradores de plantão o anus da nacionalidade brasileira. Enquanto nos deixam do lado de fora do salão usurpam a nossa dignidade. Rosnam que nem cães bravios como se nossos donos fossem, enquanto nos acovardamos. Precisamos dar um basta na malandragem de gravata.
É chegada a hora do desprezível anus reagir contra os que querem perseguir todos que trabalhem heroicamente, a fim de eliminar o lixo que contamina o organismo nacional através do desfrute zombeteiro do 'Foro Privilegiado'. Instrumento este mal interpretado e mal aplicado, garantido por Tribunais sobrecarregados, obsoletos, aparelhados e lentos; cuja composição muitas das vezes fazem-se por individuos partidaristas profissionais, treinados nas artes sorrateiras da política baixa, assim confirmando-se a máxima de que Justiça morosa, tendenciosa e de má qualidade não faz justiça e transforma o país numa nova senzala em pleno século XXI.
Por isso não me canso de afirmar:
A culpa das nossas vergonhas não mora lá do outro lado do Equador. Essa é desculpa esfarrapada.
Aí esta a grande tragedia nacional. Não há sequer um anus pensante capaz de acreditar em seus órgãos superiores. A triste realidade já faz parte do nosso folclore e do samba do político picareta. Uma legião de santos do pau oco; impolutos cidadãos da pança cheia de dinheiro e arrogância se acostando nas abas da nossa Corte Máxima, contando com o marasmo, a polêmica, a politização barata e a condescendência benfazejas. Meus pêsames ao povo brasileiro! Vossa Pátria agoniza na poça do vosso sangue inocente.
ANTÔNIO KLEBER DOS SANTOS CECÍLIO.