PADRE DOTIVO, O PEQUENO GIGANTE
Há alguns dias numa visita ao novo visual da Capela do Espirito Santo, localizada na fazenda do mesmo nome, no município de São Vicente de Minas, da propriedade do casal José Carlos Heloiza e da matriarca Leia Junqueira, amigos residentes em São Vicente de Minas, também nos programamos, não só para os folguedos da festança do Dia Santo, como também para a celebração da missa das sete na noite daquele sábado.
Qual foi nossa grata surpresa, quando vimos adentrar o santo recinto, como presidente da celebracão, padre Dotivo, o ex-pároco de Madre Deus de Minas, elegantemente paramentado, no seu passo manso, na carinha peralta de sempre, no semblante feliz diante de tanto povo e da tanta beleza, do brilho, das cores, da singeleza, das emoções ali impressas pelas mãos geniais do também amigo e restaurador Magno Araujo e equipe.
Além daquele júbilo, não houve quem não se surpreendesse e até não louvasse a Deus pela visão inesperada proporcionada pela presença do velho amigo, velho sacerdote, velho troçador e velho guerreiro contra a impiedosa letalidade de um teimoso cancer que o acometeu e o acompanha há, segundo sua propria declaração, dezesseis anos.
Para ser grande não basta envergadura de metro e muitos, possuir milhões, controlar um império, ser genial ou exemplar de admirável beleza. Aquele homenzinho, ali, no cumprimento do juramento prestado há mais de cinco décadas, mesmo trôpego, mesmo lhe faltando muitos fios de cabelo roubados pelo bombardeio quimioterápico, fustigado pelo terremoto de inúmeras e dolorosas mutilações, era um gigante diante da multidão de olhos exclamativos, carregando seu pesado embornal recheado de limitações físicas, de fé, de esperança, de resiliencia, de fidelidade ao sacramento do sacerdócio, de destemor diante da eminência da morte que lhe ronda e aponta a lança, mas que, nem ela ainda não conseguiu derrubar e nem mesmo vergar seu espírito de aço ou macular a têmpera do carater forjado numa educação sólida, como também nos valores canônicos do seminário.
Enquanto muitos daqueles que lá estavam esquecidos da importância do dia reservado à homenagem ao Espirito de Deus se esbaldavam no frenesi da música, no vai e vem interminável, na volumpia da paquera, o gigante bombardeado largou o conforto do lar, enfrentou poeira, solavancos, barulho, dores físicas insondáveis e incompartilháveis, para lá estar levando a palavra de Deus, pavimentando a estrada que um dia, espero bem distante, o levará ao Édem dos gigantes anônimos que morreram e ainda morrem a serviço da grande messe que Cristo aqui plantou através das dores da morte na Cruz.
Há quem espere daquele Gigante a perfeição, se é que essa conduta ainda não sirva para atestá-la. Não lhes agradam a alegria, a pândega, a veia piadista. Custam admitir sua dedicação à fazendola amada, recanto escolhido para retornar às peraltices da infância, aos sonhos da juventude, à produção leiteira, ao relaxamento ao qual todos os pecadores fazem juz, como se a seriedade, profunda instrospecção e vida hermitã fossem garantias de hombridade e vida santa. Joguem a primeira pedra aqueles que não comprazem dos sonhos desses deleites, diria Cristo em outras palavras.
A supervalorização de esteriótipos e aparências em detrimento de conteúdos é um grave engano contestado a todo instante pelo milagre da natureza. O nectar, o perfume e a beleza das flores, aos nossos olhos, suplantam a importância da fecundação. A magestade do sol que rompi a madrugada e inspira poetas, mas representa importância maior como catalizador da vida é esquecida, assim como o doce sabor dos frutos guarda sua utilidade capital em atrair propagadores de sementes portadoras da continuação das especies.
Nesta perspecitiva a beleza dos festejos jamais poderia nublar o esforço desse gigante alquebrado de carne e osso. É por isso que venho ressaltar a importancia da sua presença, a fim de que não passe como simples detalhe, mas ganhe o devido brilho engrandecendo ainda mais o objetivo da festa. Que o Pequeno Grande seja ricamente compensado por Deus pelo bom exemplo e pela vontade de viver a serviço da Igreja e do Cristo por ela representado. Se todos os homens oferecessem de si quinhões tão grandes, a miséria humana seria um pouco menos vergonhosa, injusta e insana.
ANTONIO KLEBER DOS SANTOS CECILIO